Quando falamos de testemunhas estamos a situar-nos perante as sentinelas que nos ajudam a ver durante a noite em que podemos situar-nos. Porém, são vigias nocturnas que não recorrem aos gritos ou alvoroços, mas antes cumprem a sua missão recorrendo a palavras fortes e convincentes ou sendo presenças silenciosas e anónimas, mas consistentes, quer dizer, firmes, sólidas, estáveis, constantes ou duradoiras.
Pela presença de numerosas testemunhas cristãs podemos ver, na Igreja, atitudes, comportamentos ou vivências nem sempre evangélicas, bem como a presença activa do Reino de Deus e da sua justiça.
A diversidade nas testemunhas
Há testemunhas de renome, veiculadas pela comunicação social, e testemunhas anónimas, porém com a força para, confundidas com o povo humilde, serem fermento no meio da massa. Quero acreditar que, também nos tempos actuais, apesar da fragilidade própria da condição humana, a Igreja continua a ter numerosas testemunhas do Evangelho.
Apesar da grande tentação da procura de nome e renome, não podemos esquecer-nos que a fé se transmite principalmente a partir de um certo anonimato, apesar de contar com uma “nuvem de testemunhas ao nosso redor” (He. 12, 1). Sem cometer injustiça, não é fácil chamar pelo nome ou hierarquizar com objectividade as testemunhas da fé.
A qualidade do testemunho
Também na Igreja existe o perigo de fazer comparações, falando de uns e esquecendo a outros. Quando cedemos à tentação de nos fixarmos cegamente nuns, tornamo-nos incapazes de neles vislumbrar a transcendência evangélica, apesar de famosos aos nossos olhos. Qual é a nossa ambição, enquanto servidores da Igreja? A fama ou a significação evangélica? O serviço humilde e generoso do evangelho ou a pertença a uma espécie de casta, a procura do poder efémero? Os chefes das nações exercem o seu poder e procuram sempre os primeiros lugares. Na sociedade há pretensos doutores e mestres a mais, verdadeira negação do Evangelho.
Por isso, não deve ser assim na comunidade cristã onde só há lugar para irmãos, sinal visível da sua condição de discípulos de Jesus Cristo.
O testemunho para a transmissão da fé
Desde os primórdios, cristianismo transmite-se principalmente “por contágio”, de “boca a boca”, por encontros ou catequeses simples e humildes, encontros pessoais onde as pessoas se encontram, às vezes confundidos com “o acaso”: Diácono Filipe e o Eunuco, funcionário da rainha da Etiópia (Act.8, 26ss), Filipe e a conversão do mago da Samaria (Act. 8,9-13), o paralítico Eneias (Act. 9,33-35), Paulo e os companheiros na Sinagoga de Antioquia da Pisídia (Act. 13,14ss), Lídia, a negociante de púrpura, e outras mulheres, junto às margens do rio em Filipos (Act16,11-15) A história de Filipe, Pedro, Paulo e Barnabé repete-se e continua viva e actuante ainda hoje.
Quando deflectimos hoje sobre o aparente fracasso na transmissão da fé, apesar das celebrações sacramentais relacionadas com a iniciação cristã, facilmente concluiremos que, mais do que pelos ouvidos, a fé necessita da visualização dos testemunhos
coerentes. Ora, faltando a evidência coerente das testemunhas, as melhores palavras perdem a sua força.
Testemunhar a verdade
No centro do testemunho cristão, o Espírito Santo, suprema interiorização do testemunho, porque “é a verdade” (1 Jo.5,6). No processo judicial entre Cristo e o mundo, o Espírito Santo é a testemunha que convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo. (Jo.16, 8-11). Por isso, não basta que haja testemunhas.
É necessário que o se testemunho seja verdadeiro. Sem prejuízo da criatividade e iniciativa pessoais, as nossas opções pastorais têm que ser tomadas a partir da Palavra de Deus e da experiência da Igreja, visando a experiência pessoal, a intimidade, e
a celebração da comunhão com Deus.
P. António Novais Pereira,
Pároco de Santo André e Arcipreste de Santiago do Cacém
“In Notícias de Beja, 2 Fevereiro 2012)
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