Animação Missionária
“Crianças ajudam crianças”
O lema da Obra da Infância Missionária é “Crianças ajudam crianças”. Tem quase 170 anos (9 de Maio de 1843) e pretende mobilizar as crianças e adolescentes para a dimensão missionária da Igreja, através da oração e da partilha. As Obras Missionárias Pontifícias, em Portugal, assumiram um desafio de relançar nas dioceses esta forma de ir ao encontro dos mais novos para incutir neles a força da missão. Com o slogan “Com as crianças da Ásia procuramos Jesus” foi distribuído pelas catequeses diverso material, de modo particular o presépio, com uma caminhada de advento e o mealheiro para a partilha, cujo produto ajudará as crianças na Índia a terem uma escola onde possam aprender a ler e a escrever como convém; e nas Filipinas, as crianças e adolescentes de um orfanato a poderem ter refeições durante um ano. Na nossa Diocese, esta iniciativa foi lançada, no dia diocesano, pelo Centro Diocesano Missionário e pelo Departamento Diocesano da Catequese da Infância e Adolescência.
Celebração da Festa da Infância Missionária
No domingo da Epifania, as crianças e os adultos, em celebração diocesana, presidida por D. António Vitalino, subiram à Igreja do Castelo, em Santiago do Cacém, para viverem a “manifestação do Senhor aos povos gentios”.
De longe, lá no alto, na torre do Castelo, vislumbrava-se uma estrela. No interior do templo, faixas simbolizando os 5 continentes e cartazes com os nomes dos 6 arciprestados conduziam as pessoas até ao presépio vivo. Uma multidão de gente encheu o templo.
O Evangelho, proclamado e encenado, com a presença dos Magos, de Herodes e dos sacerdotes, criou expectativa e espanto nas crianças e nos adultos. Foi um momento de rara beleza. O novo caminho feito pelos Magos serviu de tema à homilia proferida pelo presidente da celebração.
Ao ofertório, as crianças, saídas do meio da assembleia, dirigiram-se ao presépio e depositaram os seus mealheiros junto dos presentes que os Magos ofereceram ao Menino. A maior parte das crianças e adolescentes era de Santiago do Cacém, havendo, todavia, representações das paróquias de S. Francisco da Serra, de S. Bartolomeu e da Abela. De enaltecer a presença de um grupo vindo de Colos e acompanhado pelos seus catequistas.
Após a comunhão, o conto “A estrela da Esperança” deu o mote para que, à saída, os magos oferecessem a cada pessoa uma “estrela da esperança” onde se podiam ler as seguintes palavras: paz, esperança, amor, luz, fé.
Certamente que em outros lugares pela Diocese fora também houve celebrações ricas onde párocos, catequistas, crianças e famílias se empenharam em solenizar este dia. Todos, como missionários, podemos e devemos fazer a experiência dos Magos: ver, partir, procurar, alegrar-se, adorar, oferecer e fazer caminho novo.
Ano da Fé e os Magos
Mateus fala-nos de uns homens, vindos do mundo dos pagãos, e que se deixaram tocar e guiar, interior e exteriormente, por uma Estrela, para assim chegar ao conhecimento do Deus vivo, ao encontro com o Salvador do mundo!
Isto deu-se em Jerusalém e em Belém, de Judá, no tempo do Rei Herodes! Não se trata de uma fábula. Aconteceu a homens, adultos, uma procura, da mente e do coração, que chegou a um encontro inesperado com a pobreza do rei dos judeus; aconteceu aos magos, percorrer um longo caminho de busca, até chegar à adoração humilde do Deus, feito Menino! Aconteceu, a homens grandes, do mundo das ciências de então, deixarem-se tocar, sabiamente, por um sinal, por uma promessa, pela Esperança daquela Estrela.
Trata-se de pessoas, que andam em busca da verdade, em busca do verdadeiro rosto de Deus. Não tem a arrogância dos racionalistas, que julgam saber tudo e poder provar ou reprovar a existência de Deus, pelo telescópio do seu saber. Pelo contrário, os Magos procuram o sentido e o segredo do todo, da sua vida e do seu mundo.
Eles representam o encaminhamento de toda a humanidade para Cristo. Eles inauguram uma procissão, que percorre a história inteira. Os Magos estão no movimento do pensamento e do coração, da razão e das religiões, ao encontro da luz de Cristo.
Sempre, e sobretudo neste Ano da Fé, todos, crianças e adultos, deixando-nos conduzir, pela estrela da fé, tornar-nos-emos estrelas para os outros, reflexos daquela luz, que Cristo fez resplandecer sobre nós! A solenidade da Epifania impele-nos a que sejamos estrelas de Deus, para os homens, que andam longe, de Deus! A festa da Infância Missionária desafia-nos a fazer brilhar em nós a estrela da santidade, do testemunho, da simplicidade e da esperança, que guie a outros, pelo caminho, que leva a Cristo!
P. Agostinho Sousa, CM/Beja
Encontrar (de novo) Deus
O presidente do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização, Dom Rino Fisichella, apresentou, em conferência de imprensa, algumas novidades para o Ano da Fé, em especial o lançamento do site, do hino e do logotipo oficial.
O logotipo que vai marcar os eventos do Ano da Fé, é representado por um barco, imagem da Igreja, navegando sobre as ondas. O mastro é uma cruz que iça as velas e que, com sinais dinâmicos, formam o trigrama do nome de Cristo (IHS). No fundo das velas é representado o sol associado ao trigrama, que remete para a Eucaristia.
No hino, o refrão “Credo, Domine, adauge nobis é fidem” é(Creio, Senhor, aumenta a nossa fé, cf. Lc 17, 5) uma invocação a Deus para que em todos nós aumente a fé, sempre tão fraca e necessitada da Sua graça. Já o site oficial, www.annusfidei.va, está disponível primeiramente em inglês e italiano.
“O Ano da Fé, antes de tudo, pretende sustentar a fé de tantos crentes que no cansaço quotidiano não cessam de confiar, com convicção e coragem, a própria existência ao Senhor Jesus”, salientou Dom Rino.
Para o presidente do dicastério, a proposta deste Ano, encaixa num contexto amplo, marcado por uma crise generalizada que afecta também a fé. “A crise de fé é expressão dramática de uma crise antropológica que deixou o homem a si mesmo; por isso se encontra hoje confuso, sozinho, à mercê de forças que nem sequer conhecem o rosto, e sem uma meta a qual direccionar sua existência”, disse.
Assim, o Ano da Fé pretende ser um percurso que a comunidade cristã oferece a tantos que vivem com saudade de Deus e com o desejo de encontrá-Lo de novo. Dom Rino salientou que é necessário que os fiéis sintam a responsabilidade de oferecer a companhia da fé e se tornem próximos àqueles que perguntam a razão da nossa crença.
Nos primeiros dias de Setembro será publicado, nos diversos idiomas, o Subsídio Pastoral “Viver o Ano da Fé”. Uma pequena imagem do Cristo da Catedral de Cefalù acompanhará todos os peregrinos e os fiéis nas várias partes do mundo. Na parte de trás está escrito a Profissão de Fé. Um dos objectivos do Ano da Fé, de facto, é fazer do Credo a oração quotidiana, aprendida de cor, como era costume nos primeiros séculos do cristianismo. Segundo as palavras de Santo Agostinho: “Recebeste a fórmula da fé que é chamada Credo. E quando a receberem, imprimam-na no coração e repitam-na todos os dias interiormente. Antes de dormir, antes de sair, equipem-se deste vosso Símbolo. Ninguém escreve o Símbolo com o objectivo só de ser lido, mas para que seja meditado”.
ANO DA FÉ
Eventos com a presença do Papa
CIDADE DO VATICANO - A Santa Sé divulgou no dia 22 de Junho, durante uma conferência de imprensa, o calendário de eventos do Ano da Fé, a partir de 11 de Outubro deste ano até 24 de Novembro de 2013. Apresentamos aqui aqueles em que o Papa Bento XVI estará presente.
- A abertura solene do Ano da Fé, na Praça de São Pedro em 11 de Outubro de 2012, e por ocasião dos 50 anos do início do Concílio Vaticano II: será uma missa concelebrada por todos os Padres Sinodais, os Presidentes das Conferências Episcopais do mundo e os Padres do Concílio ainda vivos que puderem participar.
- Em 21 de Outubro de 2012, será a canonização de seis mártires e confessores da fé: Jacques Barthieu, padre jesuíta, missionário martirizado em Madagáscar (1896); Pedro Calungsod, catequista leigo, mártir nas Filipinas (1672); Giovanni Battista Piamarta, sacerdote testemunho de fé na educação da juventude (1913); madre Marianne (Barbara Cope) testemunha de fé na colónia de leprosos de Molokai (1918); Maria do Monte Carmelo, religiosa na Espanha (1911); Catalina Tekakwitha, leiga indígena mohawk do Canadá, primeira santa pele vermelha, convertida ao catolicismo (1680); e Anna Schäffer, leiga da Baviera, testemunha do amor de Cristo a partir de seu leito de sofrimento (1925).
- 25 de Janeiro de 2013: Celebração ecuménica na basílica de São Paulo Fora dos Muros em carácter solene.
- Sábado, 2 de Fevereiro: celebração para os Consagrados ao Senhor, na Basílica de São Pedro.
- Domingo de Ramos, 24 de Março, dedicado aos jovens que se preparam para a Jornada Mundial da Juventude.
- Domingo 28 de Abril, dedicado aos jovens que receberão a Confirmação. O Santo Padre conferirá este sacramento a um pequeno grupo de jovens.
- Domingo, 5 de Maio. Será dedicado à fé e à piedade popular; uma forma peculiar da fé do povo e a vida das confrarias.
- A Vigília de Pentecostes, 18 de Maio, é dedicada a todos os movimentos, antigos e novos, com peregrinação ao túmulo de São Pedro. "Na praça de São Pedro pediremos ao Senhor que nos envie ainda, e em tal abundância, o seu Espírito para que se renovem os prodígios como nos primeiros dias da Igreja primitiva."
- Festa de Corpus Christi, domingo 02 de Junho, com uma solene Adoração Eucarística em simultâneo, em todo o mundo.
- No domingo, 16 de Junho: testemunha do 'Evangelho da vida’ em defesa da dignidade da pessoa humana desde a concepção à morte natural.
- Domingo 7 de Julho. Em São Pedro: conclusão da peregrinação de seminaristas, dos noviços e noviças e daqueles que estão a caminho.
- De 23 a 28 de Julho: Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro.
- 29 de Setembro, dedicado aos catequistas. Recordará também os vinte anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica.
- Domingo, 13 de Outubro, na presença de todas as realidades marianas, para indicar que a Virgem Maria, Mãe de Deus, pode realizar autênticas maravilhas.
- Domingo, 24 de Novembro. Será realizada a jornada conclusiva do Ano da Fé.
Haverá muitas outras iniciativas, como as dos Dicastérios que celebrarão os 50 anos do Concílio, com várias conferências e atividades culturais.
Não faltarão grandes eventos de carácter cultural, arte, literatura e música, onde tantos homens e mulheres manifestaram genialidade e fé.
De entre estes, a exposição em Castel Sant'Angelo de 7 de Fevereiro a 1 de Maio, com obras particulares sobre a figura do apóstolo Pedro e um grande concerto na Praça de São Pedro, no sábado, 22 de Junho.
(Agência Zenit)
SÍNODO DOS BISPOS
XIII ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA
A NOVA EVANGELIZAÇÃO
PARA A TRANSMISSÃO DA FÉ CRISTÃ
INSTRUMENTUM LABORIS
Cidade do Vaticano - 2012
ÍNDICE
Prefácio
Introdução
Pontos de referência
As expectativas em relação ao Sínodo
O tema da Assembleia Sinodal
Do Concílio Vaticano II à Nova Evangelização
A estrutura do Instrumentum laboris
Primeiro Capítulo
Jesus Cristo, Evangelho de Deus para o homem
Jesus Cristo, o Evangelizador
A Igreja, evangelizada e evangelizadora
O Evangelho, dom para cada homem
O dever de evangelizar
Evangelização e renovação da Igreja
Segundo Capítulo
Tempo de nova evangelização
A pergunta sobre a “nova evangelização”
Os cenários da nova evangelização
As novas fronteiras do cenário comunicativo
As mudanças do cenário religioso
Viver como cristãos nestes cenários
Missio ad gentes, cuidado pastoral, nova evangelização
Transformações da paróquia e nova evangelização
Uma definição e o seu significado
Terceiro Capítulo
Transmitir a fé
O primado da fé
A Igreja transmite a fé que ela mesma vive
A pedagogia da fé
Os sujeitos da transmissão da fé
A família, lugar exemplar de evangelização
Chamados a evangelizar
Dar razões da própria fé
Os frutos da fé
Quarto Capítulo
Reavivar a acção pastoral
A iniciação cristã, processo evangelizador
A exigência do primeiro anúncio
Transmitir a fé, educar o homem
Fé e conhecimento
O fundamento de toda a pastoral evangelizadora
A centralidade das vocações
Conclusão
Jesus Cristo, Evangelho que dá esperança
A alegria de evangelizar
PREFÁCIO
“Aumenta a nossa fé!” (Lc 17,5). É o pedido dos Apóstolos ao Senhor Jesus ao perceberem que somente na fé, dom de Deus, podiam estabelecer uma relação pessoal com Ele e estar à altura da vocação de discípulos. O pedido foi motivado pela experiência dos seus limites. Não se sentiam suficientemente fortes para perdoar ao irmão. A fé é indispensável também para cumprir os sinais da presença do Reino de Deus no mundo. A figueira seca desde as raízes serve a Jesus para encorajar os discípulos: “Tende fé em Deus. Em verdade vos digo, se alguém disser a este monte: ‘Tira-te daí e lança-te ao mar’, e não vacilar em seu coração, mas acreditar que o que diz se vai realizar, assim acontecerá. Por isso, vos digo: tudo quanto pedirdes na oração crede que já o recebestes e haveis de obtê-lo” (Mc 11,22-24). Também o Evangelista Mateus sublinha a importância da fé para cumprir as grandes obras. “Em verdade vos digo: Se tiverdes fé e não duvidardes, não só fareis o que Eu fiz a esta figueira, mas, se disserdes a este monte: ‘Tira-te daí e lança-te ao mar’, assim acontecerá” (Mt 21,21).
Por vezes o Senhor Jesus advertia “os Doze” pela sua pouca fé. À pergunta por que é que não conseguem expulsar o demónio, o Mestre responde: “Pela vossa pouca fé” (Mt 17,20). No mar de Tiberias, antes de acalmar a tempestade, Jesus diz aos discípulos: “Porque temeis, homens de pouca fé (όλιγόπιστοι) (Mt 8,26). Eles devem confiar em Deus e na providência e não se preocuparem com os bens materiais. “Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã será lançada ao fogo, como não fará muito mais por vós, homens de pouca fé?” (Δια την όλιγοπιστίαν ύμών) (Mt 6,30; cf. Lc 12,28). Semelhante atitude repete-se antes da multiplicação dos pães. Perante a constatação dos discípulos se terem esquecido de levar o pão ao passarem para a outra margem, o Senhor Jesus disse-lhes: “Homens de pouca fé, porque estais a discorrer entre vós por não terdes trazido pão? Ainda não compreendeis? Não vos recordais dos cinco pães para os cinco mil homens e de quantos cestos recolhestes? (Mt 16,8-9).
No Evangelho de Mateus, suscita particular atenção a descrição de Jesus que caminha sobre as águas e alcança os apóstolos que estavam na barca. Depois de lhes ter afastado o medo, acolhe a proposta condicionada de Pedro: “Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas” (Mt 14,28). Num primeiro momento, Pedro caminha sem dificuldade sobre as águas, indo até Jesus. “Mas, sentindo a violência do vento, teve medo e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me, Senhor!” E imediatamente Jesus “estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: ‘Homem de pouca fé, porque duvidaste?’” (Mt 14,30-31). Jesus e Pedro entram juntos na barca e o vento amaina. Os discípulos, testemunhas desta grande manifestação, prostram-se diante do Senhor e fazem a sua plena profissão de fé: “Tu és, verdadeiramente, Filho de Deus” (Mt 14,33).
Na pessoa de Pedro, é possível reconhecer a atitude de muitos fiéis, como também de inteiras comunidades cristãs, sobretudo nos países de antiga evangelização. De facto, várias Igrejas particulares conhecem não só o afastamento dos fiéis, por causa da pouca fé, da vida sacramental e da prática cristã, que algumas até poderiam ser inseridas na categoria dos não-crentes (άπιστοι; cf. Mt 17,17; 13,58). Ao mesmo tempo, várias Igrejas, depois de um primeiro entusiasmo, experimentam também o cansaço, o medo, perante situações bastante complexas do mundo actual. Como Pedro, têm medo do clima hostil, de tentações de varia ordem, de desafios que ultrapassam as suas forças humanas. A salvação para Pedro e também para os fiéis, considerados pessoalmente e como membros da comunidade eclesial, provém somente do Senhor Jesus. Só Ele pode estender a mão e conduzir no caminho da fé até ao lugar seguro.
As breves reflexões sobre a fé nos Evangelhos ajudam-nos a ilustrar o tema da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos: “A nova evangelização para transmissão da fé cristã”. Em tal contexto, a importância da fé aparece reforçada pela decisão do Santo Padre Bento XVI de proclamar o Ano da Fé a começar de 11 de Outubro de 2012, em memória do 50º aniversário da abertura do Concílio Ecuménico Vaticano II e do 20º aniversário da publicação do Catecismo da Igreja Católica. Ambos os eventos, terão início no decorrer da celebração da Assembleia sinodal. Uma vez mais se verifica a palavra do Senhor Jesus dirigida ao apóstolo Pedro, pedra sobre a qual o Senhor construiu a sua Igreja (Cf. Mt 16,19): “Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desapareça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos (Lc 22,32). Novamente se abrirá diante de todos “a porta da fé” (Act 14,27).
Como sempre, também hoje a evangelização tem por finalidade a transmissão da fé cristã. Ela diz respeito, em primeiro lugar, à comunidade dos discípulos de Jesus Cristo, organizados em Igrejas particulares, diocesanas e eparquias, em que os fiéis se reúnem regularmente para as celebrações litúrgicas, escutam a Palavra de Deus e celebram os sacramentos, sobretudo a Eucaristia, preocupando-se em transmitir o tesouro da fé aos membros das suas famílias, das suas comunidades, das suas paróquias. Fazem-no através da proposta e do testemunho de vida cristã, do catecumenado, da catequese e das obras de caridade. Trata-se de evangelização em sentido geral, qual actividade regular da Igreja. Com a ajuda do Espírito Santo, esta evangelização, dita ordinária, deve ser animada por um novo ardor. É necessário procurar novos métodos e novas formas expressivas para transmitir ao homem contemporâneo a perene verdade de Jesus Cristo, sempre novo, fonte de toda a novidade. Somente uma fé sólida e robusta, própria dos mártires, pode dar ânimo a tantos projectos pastorais, a médio e longo prazo, infundir vida às estruturas existentes, suscitar a criatividade pastoral à altura das necessidades do homem contemporâneo e das expectativas das sociedades actuais.
O renovado dinamismo das comunidades cristãs dará um novo impulso também à actividade missionária (missio ad gentes), hoje mais urgente do que nunca, atendendo ao elevado número de pessoas que não conhecem Jesus Cristo não só em terras longínquas, mas também nos Países de antiga evangelização.
Deixando-se vivificar pelo Espírito Santo, os cristãos serão mais sensíveis a tantos irmãos e irmãs que, embora sendo baptizados, se afastaram da Igreja e da prática cristã. A eles, de modo particular, se querem dirigir com a nova evangelização, para lhes fazer redescobrir a beleza da fé cristã e a alegria do encontro pessoal com Senhor Jesus, na Igreja, comunidade dos fiéis.
Sobre tais temáticas se debruça o Instrumentum Laboris agora publicado. Agenda para a próxima Assembleia sinodal, ele é o resultado da síntese das respostas aos Lineamenta, vindas dos Sínodos dos Bispos das Igrejas Orientais Católicas sui iuris, das Conferências Episcopais, dos Dicastérios da Curia Romana e da União dos Superiores Gerais, como também de parte de outras instituições, de comunidades e de fiéis, que quiseram participar na reflexão eclesial sobre a temática sinodal. Com a ajuda do Conselho Ordinário, a Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, valendo-se também do contributo de válidos peritos, redigiu o presente documento, no qual estão recolhidos muitos aspectos promissores da actividade evangelizadora da Igreja em todos os cinco continentes. Ao mesmo tempo são indicados vários temas para aprofundar, de modo que a Igreja possa continuar a desenvolver adequadamente a sua obra evangelizadora, tendo presente os muitos desafios e dificuldades do momento actual. Fortalecidos pela palavra do Senhor: “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim (Gv 14,1) e sob a iluminada presidência do Santo Padre Bento XVI, os Padres sinodais estão dispostos a reflectir num ambiente de oração, de escuta e de comunhão afectiva e efectiva. Em tal missão, não estarão sós, porque estarão acompanhados por tantas pessoas que continuam a rezar pelos trabalhos sinodais. Os membros da XIII Assembleia Geral Ordinária, voltando também o olhar para a comunhão da Igreja glorificada, esperam na intercessão de todos os santos e, em particular, da Virgem Maria, feliz porque “acreditou no cumprimento de tudo o que o Senhor lhe disse” (Lc 1,45).
Deus, bom e misericordioso, constantemente estende a sua mão ao homem e à Igreja, sempre disposto a fazer justiça aos seus eleitos. Eles, porém, são convidados a agarrar a sua mão e com fé pedir-Lhe ajuda. Tal condição não é óbvia, como se pode perceber pela densa pergunta de Jesus: “Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?” (Lc 18,8). Por esse motivo, também hoje a Igreja e os cristãos devem repetir assiduamente a súplica: “eu creio, ajuda a minha pouca fé!” (Mc 9,24).
Para que a Assembleia sinodal possa corresponder a tais expectativas e necessidades da Igreja no nosso tempo, invocamos a graça do Espírito Santo, que “Ele derramou abundantemente sobre nós por Jesus Cristo, nosso Salvador” (Tt 3,6), suplicando mais uma vez ao Senhor Jesus: ““Aumenta a nossa fé!” (Lc 17,5).
Nikola Eterović
Arcebispo titular de Cibale
Secretário-geral do Sínodo dos Bispos
Vaticano,27 de Maio de 2012
Solenidade de Pentecostes
PARA LER NA TOTALIDADE:
Este texto dos Instrumentum laboris encontra-se regularmente inserido
no site Internet vaticano: http: // www.vatican.va
CONCLUSÃO
“Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós” (Act 1, 8)
162. Com a sua vinda até nós, Jesus Cristo comunicou-nos a vida divina que transfigura a face da terra, fazendo novas todas as coisas (cf. Ap 21, 5). A sua Revelação envolveu-nos, não apenas como destinatários da salvação que nos foi dada, mas também como seus anunciadores e testemunhas. O Espírito do Ressuscitado habilita, deste modo, a nossa vida para o anúncio eficaz do Evangelho em todo o mundo. É a experiência da primeira comunidade cristã que via o difundir-se da Palavra mediante a pregação e o testemunho (cf. Act 6, 7).
163. Cronologicamente, a primeira evangelização teve início no dia do Pentecostes, quando os Apóstolos, todos reunidos no mesmo lugar em oração com a Mãe de Cristo, receberam o Espírito Santo (cf. Act 1, 14; 2, 1-3). Aquela que, segundo as palavra do Arcanjo, é “cheia de graça” (Lc 1, 28), encontra-se assim na via da evangelização apostólica, e em todas as vias nas quais os sucessores dos Apóstolos se colocam para anunciar o Evangelho.
164. Nova evangelização não significa um “novo Evangelho”, porque “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e pelos séculos” (Heb 13, 8). Nova evangelização significa dar resposta adequada aos sinais dos tempos, às necessidades dos homens e dos povos de hoje, aos novos cenários que mostram a cultura por meio da qual exprimimos a nossa identidade e procuramos o sentido da nossa existência. Nova evangelização significa, por isso, promoção de uma cultura mais profundamente radicada no Evangelho. Quer dizer descobrir o “homem novo” (Ef 4, 24) que está em nós graças ao Espírito dado por Jesus Cristo e pelo Pai. Que a celebração da próxima Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos seja para a Igreja como um novo Cenáculo, onde os sucessores dos Apóstolos, reunidos em oração juntamente com a Mãe de Cristo, que foi invocada como a “Estrela da Nova Evangelização”[88], preparam as vias da nova evangelização.
165. Deixemos que sejam uma vez mais as palavras de João Paulo II, que tanto se debateu por ela, a explicar a palavra: nova evangelização significa “reacender em nós o zelo das origens, deixando-nos invadir pelo ardor da pregação apostólica que se seguiu ao Pentecostes. Devemos reviver em nós o sentimento ardente de Paulo que o levava a exclamar: «Ai de mim se não evangelizar!» (1 Cor 9,16). Esta paixão não deixará de suscitar na Igreja uma nova missionariedade, que não poderá ser delegada a um grupo de «especialistas», mas deverá corresponsabilizar todos os membros do povo de Deus. Quem verdadeiramente encontrou Cristo, não pode guardá-Lo para si; tem de O anunciar. É preciso um novo ímpeto apostólico, vivido como compromisso diário das comunidades e grupos cristãos”[89].
Jesus Cristo, Evangelho que dá esperança
166. Hoje, nós sentimos a necessidade de um princípio que nos dê esperança, que nos permita olhar para o futuro com os olhos da fé, sem lágrimas de desespero. Enquanto Igreja, temos este princípio, esta fonte de esperança: Jesus Cristo, morto e ressuscitado, presente no meio de nós com o seu Espírito, que nos dá a experiência de Deus. Temos, no entanto, muitas vezes a impressão de não conseguirmos dar corpo a esta esperança, de não conseguirmos “fazê-la nossa”, de não fazer dela palavra viva para nós e para os nossos contemporâneos, de não a assumir como fundamento das nossas acções pastorais e da nossa vida eclesial.
A este respeito, temos uma clara palavra de ordem para uma pastoral presente e futura: nova evangelização, isto é, nova proclamação da mensagem de Cristo, que infunde alegria e liberta-nos. Esta palavra de ordem alimenta a esperança da qual sentimos necessidade: a contemplação da Igreja nascida para evangelizar conhece a fonte profunda das energias para o anúncio.
“Sentimo-nos encorajados no nosso Deus a anunciar-vos o Evangelho de Deus no meio de grande luta” (1 Ts 2, 2). A nova evangelização impele-nos a um testemunho da fé que frequentemente assume os contornos do combate e da luta. A nova evangelização fortalece cada vez mais a relação com o Senhor Jesus Cristo, porque apenas Nele reside a certeza para olhar o futuro e a garantia de um amor autêntico e duradoiro.
A alegria de evangelizar
167. Nova evangelização significa dar razões da nossa fé, comunicando o Logos da esperança ao mundo que aspira à salvação. Os homens têm necessidade da esperança para poder viver o próprio presente. Por esta razão, a Igreja é missionaria na sua essência e oferece a Revelação do rosto de Deus que, em Jesus Cristo, tomou um rosto humano e nos amou até ao fim. As palavras de vida eterna que nos são dadas no encontro com Jesus Cristo são para todos, para cada homem. Cada pessoa do nosso tempo, quer o saiba ou não, tem necessidade deste anúncio.
168. Na verdade, a ausência desta consciência gera solidão e desconforto. Entre os obstáculos à nova evangelização está precisamente a falta de alegria e de esperança que situações deste tipo geram e difundem entre os homens do nosso tempo. Muitas vezes, esta falta de alegria e de esperança é de tal modo forte que corrói o próprio tecido das nossas comunidades cristãs. A nova evangelização propõe-se, nestes contextos, também como fármaco para dar alegria e vida contra todo o tipo de medo. Em semelhantes contextos é imperativo revigorar a nossa fé, como nos pede o Papa Bento XVI: “Solícita a identificar os sinais dos tempos no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo. Aquilo de que o mundo tem hoje particular necessidade é o testemunho credível de quantos, iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor, são capazes de abrir o coração e a mente de muitos outros ao desejo de Deus e da vida verdadeira, aquela que não tem fim”[90].
169. Olhemos, por isso, para a nova evangelização com entusiasmo. Aprendamos a doce e confortante alegria de evangelizar, mesmo quando parece que o anúncio é uma semente nas lágrimas (cf. Sl 126, 6). Ao mundo que procura respostas às grandes questões sobre o sentido da vida e da verdade, que lhe seja possível viver com renovada surpresa a alegria de encontrar testemunhas do Evangelho que, com a simplicidade e a credibilidade da sua vida, sabem mostrar o poder transfigurador da fé cristã. Como afirmava Paulo VI: “Que isto constitua, ainda, a grande alegria das nossas vidas consagradas. E que o mundo do nosso tempo que procura, ora na angústia, ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descoroçoados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo, e são aqueles que aceitaram arriscar a sua própria vida para que o reino seja anunciado e a Igreja seja implantada no meio do mundo”[91]. “Não temais!”: é a palavra do Senhor (cf. Mt 14, 27) e do anjo (cf. Mt 28, 5) que sustenta a fé dos anunciadores, dando-lhes força e entusiasmo. Seja também esta a palavra dos anunciadores, que sustentam e nutrem o caminho de cada homem para o encontro com Deus. “Não temais!” seja a palavra da nova evangelização, com a qual, a Igreja, animada pelo Espírito Santo, anuncia “até aos confins do mundo” (Act 1, 8) Jesus Cristo, Evangelho de Deus, para a fé dos homens.
Sínodo dos Bispos - Doc.Laboris - Aqui -
Nota da Congregação para a Doutrina da Fé
Cidade do Vaticano (RV)
A Congregação para a Doutrina da Fé divulgou, dia 6 de Janeiro, nota com as indicações pastorais para o Ano da Fé. A nota contempla todos os níveis da Igreja, desde o nível universal, das conferências episcopais, diocesano e em nível das paróquias, comunidades, associações e movimentos.
Eis o texto integral do documento (com tradução vaticana):
Com a Carta apostólica Porta fidei de 11 de Outubro de 2011, o Santo Padre Bento XVI convocou um Ano da Fé. Ele começará no dia 11 de Outubro 2012, por ocasião do quinquagésimo aniversário da abertura do Concílio Ecuménico Vaticano II, e terminará a 24 de Novembro de 2013, Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.
Este ano será uma ocasião propícia a fim de que todos os fiéis compreendam mais profundamente que o fundamento da fé cristã é “o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”. Fundamentada no encontro com Jesus Cristo ressuscitado, a fé poderá ser redescoberta na sua integridade e em todo o seu esplendor. “Também nos nossos dias a fé é um dom que se deve redescobrir, cultivar e testemunhar” para que o Senhor “conceda a cada um de nós viver a beleza e a alegria de sermos cristãos”.
O início do Ano da Fé coincide com a grata recordação de dois grandes eventos que marcaram a face da Igreja nos nossos dias: o quinquagésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, desejado pelo beato João XXIII (11 de Outubro de 1962), e o vigésimo aniversário da promulgação do Catecismo da Igreja Católica, oferecido à Igreja pelo beato João Paulo II (11 de Outubro de 1992).
O Concílio, segundo o Papa João XXIII, quis “transmitir pura e íntegra a doutrina, sem atenuações nem subterfúgios”, empenhando-se para que “esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo”. A este propósito, continua sendo de importância decisiva o início da Constituição dogmática Lumen gentium: “A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura (cfr. Mc. 16,15) ”. A partir da luz de Cristo, que purifica, ilumina e santifica na celebração da sagrada liturgia (cf. Constituição Sacrosanctum Concilium) e com a sua palavra divina (cf. Constituição dogmática Dei Verbum), o Concílio quis aprofundar a natureza íntima da Igreja (cf. Constituição dogmática Lumen gentium) e a sua relação com o mundo contemporâneo (cf. Constituição pastoral Gaudium et spes). Ao redor das suas quatro Constituições, verdadeiras pilastras do Concílio, se agrupam as Declarações e os Decretos, que enfrentam alguns dos maiores desafios do tempo.
Depois do Concílio, a Igreja se empenhou na assimilação (receptio) e na aplicação do seu rico ensinamento, em continuidade com toda a Tradição, sob a guia segura do Magistério. A fim de favorecer a correcta assimilação do Concílio, os Sumos Pontífices convocaram amiúde o Sínodo dos Bispos, instituído pelo Servo de Deus Paulo VI em 1965, propondo à Igreja orientações claras por meio das diversas Exortações apostólicas pós-sinodais. A próxima Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, no mês de Outubro de 2012, terá como tema: A nova evangelização para a transmissão da fé cristã.
Desde o começo do seu pontificado, o Papa Bento XVI se empenhou de maneira decisiva por uma correcta compreensão do Concílio, rechaçando como errónea a assim chamada “hermenêutica da descontinuidade e da ruptura” e promovendo aquele que ele mesmo chamou de “’hermenêutica da reforma’”, da renovação na continuidade do único sujeito-Igreja, que o Senhor nos concedeu; é um sujeito que cresce no tempo e se desenvolve, permanecendo porém sempre o mesmo, único sujeito do Povo de Deus a caminho”.
O Catecismo da Igreja Católica, pondo-se nesta linha, é, de um lado, “verdadeiro fruto do Concílio Vaticano II”, e de outro pretende favorecer a sua assimilação. O Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985, convocado por ocasião do vigésimo aniversário da conclusão do Concílio Vaticano II e para efectuar um balanço da sua assimilação, sugeriu que fosse preparado este Catecismo a fim de oferecer ao Povo de Deus um compêndio de toda a doutrina católica e um texto de referência segura para os catecismos locais. O Papa João Paulo II acolheu a proposta como desejo “de responder plenamente a uma necessidade verdadeira da Igreja Universal e das Igrejas particulares”. Redigido em colaboração com todo o Episcopado da Igreja Católica, este Catecismo “exprime verdadeiramente aquela a que se pode chamar a ‘sinfonia da fé’”.
O Catecismo compreende “coisas novas e velhas (cf. Mt 13,52), porque a fé é sempre a mesma e simultaneamente é fonte de luzes sempre novas. Para responder a esta dupla exigência, o ‘Catecismo da Igreja Católica’ por um lado retoma a ‘antiga’ ordem, a tradicional, já seguida pelo Catecismo de São Pio V, articulando o conteúdo em quatro partes: o Credo; a sagrada Liturgia, com os sacramentos em primeiro plano; o agir cristão, exposto a partir dos mandamentos; e por fim a oração cristã. Mas, ao mesmo tempo, o conteúdo é com frequência expresso de um modo ‘novo’, para responder às interrogações da nossa época”. Este Catecismo é “um instrumento válido e legítimo a serviço da comunhão eclesial e como uma norma segura para o ensino da fé.”. Nele os conteúdos da fé encontram “a sua síntese sistemática e orgânica. Nele, de facto, sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres de teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para dar certeza aos crentes na sua vida de fé.”.
O Ano da Fé quer contribuir para uma conversão renovada ao Senhor Jesus e à redescoberta da fé, para que todos os membros da Igreja sejam testemunhas credíveis e alegres do Senhor ressuscitado no mundo de hoje, capazes de indicar a “porta da fé” a tantas pessoas que estão em busca. Esta “porta” escancara o olhar do homem para Jesus Cristo, presente no nosso meio “todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20). Ele nos mostra como “a arte de viver” se aprende “numa relação profunda com Ele”. “Com o seu amor, Jesus Cristo atrai a Si os homens de cada geração: em todo o tempo, Ele convoca a Igreja confiando-lhe o anúncio do Evangelho, com um mandato que é sempre novo. Por isso, também hoje é necessário um empenho eclesial mais convicto a favor duma nova evangelização, para descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a fé”.
Por ordem do Papa Bento XVI, a Congregação para a Doutrina da Fé redigiu a presente Nota, em acordo com os Dicastérios competentes da Santa Sé e com a contribuição do Comité para a preparação do Ano da Fé, com algumas indicações para viver este tempo de graça, sem excluir outras propostas que o Espírito Santo quiser suscitar entre os Pastores e os fiéis nas diversas partes do mundo.
INDICAÇÕES
“Eu sei em quem pus a minha fé” (2 Tm 1, 12): esta palavra de São Paulo nos ajuda a compreender que “antes de mais, a fé é uma adesão pessoal do homem a Deus. Ao mesmo tempo, e inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade revelada por Deus”. A fé como confiança pessoal no Senhor e a fé que professamos no Credo são inseparáveis, se atraem e se exigem reciprocamente. Existe uma ligação profunda entre a fé vivida e os seus conteúdos: a fé das testemunhas e dos confessores é também a fé dos apóstolos e dos doutores da Igreja.
Neste sentido, as seguintes indicações para o Ano da Fé desejam favorecer tanto o encontro com Cristo por meio de autênticas testemunhas da fé, quanto o conhecimento sempre maior dos seus conteúdos. Trata-se de propostas que visam solicitar, de maneira exemplificativa, a pronta responsabilidade eclesial diante do convite do Santo Padre a viver em plenitude este Ano como um especial “tempo de graça”. A redescoberta alegre da fé poderá contribuir também a consolidar a unidade e a comunhão entre as diversas realidades que compõem a grande família da Igreja.
I - A nível da Igreja universal
1. O principal evento eclesial no começo do Ano da Fé será a XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, convocada pelo Papa Bento XVI para o mês de Outubro de 2012 e dedicada à Nova evangelização para a transmissão da fé cristã. Durante este Sínodo, no dia 11 de Outubro de 2012, acontecerá uma celebração solene de inauguração do Ano da Fé, recordando o quinquagésimo aniversário de abertura do Concílio Vaticano II.
2. No Ano da Fé devem-se encorajar as peregrinações dos fiéis à Sé de Pedro, para ali professarem a fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, unindo-se àquele que é chamado hoje a confirmar seus irmãos na fé (cf. Lc 22, 32). Será importante favorecer também as romarias à Terra Santa, lugar que por primeiro viu a presença de Jesus, o Salvador, e de Maria, sua mãe.
3. No decorrer deste Ano será útil convidar os fiéis a se dirigirem com devoção especial a Maria, figura da Igreja, que “reúne em si e reflecte os imperativos mais altos da nossa fé”. Assim pois deve-se encorajar qualquer iniciativa que ajude os fiéis a reconhecer o papel especial de Maria no mistério da salvação, a amá-la filialmente e a seguir a sua fé e as suas virtudes. Para tal fim será muito conveniente organizar romarias, celebrações e encontros junto dos maiores Santuários.
4. A próxima Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em 2013 oferecerá uma ocasião privilegiada aos jovens para experimentar a alegria que provém da fé no Senhor Jesus e da comunhão com o Santo Padre, na grande família da Igreja.
5. Deseja-se que sejam organizados simpósios, congressos e encontros de grande porte, também a nível internacional, que favoreçam o encontro com autênticos testemunhos da fé e o conhecimento dos conteúdos da doutrina católica. Demonstrando como também hoje a Palavra de Deus continua a crescer e a se difundir, será importante dar testemunho de que em Jesus Cristo “encontra plena realização toda a ânsia e anélito do coração humano” e que a fé “se torna um novo critério de entendimento e de ação que muda toda a vida do homem”. Alguns congressos serão dedicados à redescoberta dos ensinamentos do Concílio Vaticano II.
6. Para todos os crentes, o Ano da Fé oferecerá uma ocasião favorável para aprofundar o conhecimento dos principais Documentos do Concílio Vaticano II e o estudo do Catecismo da Igreja Católica. Isto vale de modo particular para os candidatos ao sacerdócio, sobretudo durante o ano propedêutico ou nos primeiros anos dos estudos teológicos, para as noviças e os noviços dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica, bem como para aqueles que vivem um período de prova para incorporar-se a uma Associação ou a um Movimento eclesial.
7. Este Ano será a ocasião propícia para acolher com maior atenção as homilias, as catequeses, os discursos e as outras intervenções do Santo Padre. Os Pastores, as pessoas consagradas e os fiéis leigos serão convidados a um empenho renovado de efetiva e cordial adesão ao ensinamento do Sucessor de Pedro.
8. Durante o Ano da Fé, se deseja que haja várias iniciativas ecuménicas, em colaboração com o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, com o fim de invocar e favorecer “a restauração da unidade entre todos os cristãos” que é “um dos principais propósitos do sagrado Concílio Ecuménico Vaticano II”. Em particular, acontecerá uma solene celebração ecuménica a fim de reafirmar a fé em Cristo por parte de todos os baptizados.
9. Junto ao Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização será instituída uma Secretaria especial para coordenar as diversas iniciativas relativas ao Ano da Fé, promovidas pelos vários Dicastérios da Santa Sé ou que tenham relevância para a Igreja universal. Será conveniente informar com tempo esta Secretaria sobre os principais eventos organizados: ela também poderá sugerir iniciativas oportunas a respeito. A Secretaria abrirá para tanto um site internet com a finalidade de oferecer todas as informações úteis para viver de modo eficaz o Ano da Fé.
10. Por ocasião da conclusão deste Ano, na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, acontecerá uma Eucaristia celebrada pelo Santo Padre, na qual se renovará solenemente a profissão de fé.
II. A nível das Conferências Episcopais
1. As Conferências Episcopais poderão dedicar uma jornada de estudo ao tema da fé, do seu testemunho pessoal e da sua transmissão às novas gerações, na consciência da missão específica dos Bispos como mestres e “arautos da fé”.
2. Será útil favorecer a republicação dos Documentos do Concílio Vaticano II, do Catecismo da Igreja Católica e do seu Compêndio, também em edições de bolso e económicas, e a sua maior difusão possível com a ajuda dos meios electrónicos e das tecnologias modernas.
3. Deseja-se um esforço renovado para traduzir os Documentos do Concílio Vaticano II e o Catecismo da Igreja Católica nas línguas em que ainda não existem. Encorajam-se as iniciativas de sustento caritativo para tais traduções nas línguas locais dos Países em terra de missão, onde as Igrejas particulares não podem arcar com as despesas. Tudo isto seja feito sob a guia da Congregação para a Evangelização dos Povos
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4. Os Pastores, haurindo das novas linguagens de comunicação, devem se empenhar para promover transmissões televisivas ou radiofónicas, filmes e publicações, também a nível popular e acessíveis a um grande público, sobre o tema da fé, dos seus princípios e conteúdos, como também sobre o significado eclesial do Concílio Vaticano II.
5. Os Santos e os Beatos são as autênticas testemunhas da fé. Portanto será oportuno que as Conferências Episcopais se empenhem para difundir o conhecimento dos Santos do próprio território, utilizando também os modernos meios de comunicação social.
6. O mundo contemporâneo é sensível à relação entre fé e arte. Neste sentido, se aconselha às Conferências Episcopais a valorizar adequadamente, em função catequética e eventualmente em colaboração ecuménica, o património das obras de arte presentes nos lugares confiados à sua cura pastoral.
7. Os docentes nos Centros de estudos teológicos, nos Seminários e nas Universidades católicas são convidados a verificar a relevância, no exercício do próprio magistério, dos conteúdos do Catecismo da Igreja Católica e das implicações que daí derivam para as respectivas disciplinas.
8. Será útil preparar, com a ajuda de teólogos e autores competentes, subsídios de divulgação com carácter apologético (cf. 1 Pd 3, 15). Assim cada fiel poderá responder melhor às perguntas que se fazem nos diversos âmbitos culturais, ora no tocante aos desafios das seitas, ora aos problemas ligados ao secularismo e ao relativismo, ora “a uma série de interrogativos, que provêm duma diversa mentalidade que, hoje de uma forma particular, reduz o âmbito das certezas racionais ao das conquistas científicas e tecnológicas”, como também a outras dificuldades específicas.
9. Deseja-se um controle dos catecismos locais e dos vários subsídios catequéticos em uso nas Igrejas particulares, para garantir a sua conformidade plena com o Catecismo da Igreja Católica. No caso em que alguns catecismos ou subsídios não estejam em plena sintonia com o Catecismo, ou revelem algumas lacunas, poder-se-á encetar a elaboração de novos, eventualmente segundo o exemplo e a ajuda de outras Conferências Episcopais que já providenciaram à sua redacção.
10. Será oportuna, em colaboração com a competente Congregação para a Educação Católica, um controle da presença dos conteúdos do Catecismo da Igreja Católica na Ratio da formação dos futuros sacerdotes e no Curriculum dos seus estudos teológicos.
III. A nível diocesano
1. Deseja-se uma celebração de abertura do Ano da Fé e uma solene conclusão do mesmo a nível de cada Igreja particular, ocasião para “confessar a fé no Senhor Ressuscitado nas nossas catedrais e nas igrejas do mundo inteiro”.
2. Será oportuno organizar em cada Diocese do mundo uma jornada sobre o Catecismo da Igreja Católica, convidando especialmente os sacerdotes, as pessoas consagradas e os catequistas. Nesta ocasião, por exemplo, as Eparquias orientais católicas poderiam preparar um encontro com os sacerdotes para testemunhar a sensibilidade específica e a tradição litúrgica próprias ao interno da única fé em Cristo; assim as jovens Igrejas particulares nas terras de missão poderão ser convidadas a oferecer um testemunho renovado daquela alegria na fé que tanto as caracterizam.
3. Cada Bispo poderá dedicar uma sua Carta pastoral ao tema da fé, recordando a importância do Concílio Vaticano II e do Catecismo da Igreja Católica levando em conta as circunstâncias pastorais específicas da porção de fiéis a ele confiada.
4. Deseja-se que em cada Diocese, sob a responsabilidade do Bispo, sejam organizados momentos de catequese, destinados aos jovens e àqueles que estão em busca de um sentido para a vida, com a finalidade de descobrir a beleza da fé eclesial, e que sejam promovidos encontros com as testemunhas significativas da mesma.
5. Será oportuno controlar a assimilação (receptio) do Concílio Vaticano II e do Catecismo da Igreja Católica na vida e na missão de cada Igreja particular, especialmente em âmbito catequético. Neste sentido se deseja um empenho renovado por parte dos Ofícios catequéticos das Dioceses, os quais – com o apoio das Comissões para a Catequese das Conferências Episcopais; têm o dever de providenciar à formação dos catequistas no que diz respeito aos conteúdos da fé.
6. A formação permanente do clero poderá ser concentrada, especialmente neste Ano da Fé, nos Documentos do Concílio Vaticano II e no Catecismo da Igreja Católica, tratando, por exemplo, de temas como “o anúncio do Cristo ressuscitado”, “a Igreja, sacramento de salvação”, “a missão evangelizadora no mundo de hoje”, “fé e incredulidade”, “fé, ecumenismo e diálogo interreligioso”, “fé e vida eterna”, “a hermenêutica da reforma na continuidade”, “o Catecismo na preocupação pastoral ordinária”.
7. Os Bispos são convidados a organizar, especialmente no período da quaresma, celebrações penitenciais nas quais se peça perdão a Deus, também e particularmente, pelos pecados contra a fé. Este Ano será também um tempo favorável para se aproximar com maior fé e maior frequência do sacramento da Penitência.
8. Deseja-se um envolvimento do mundo académico e da cultura por uma renovada ocasião de diálogo criativo entre fé e razão por meio de simpósios, congressos e jornadas de estudo, especialmente nas Universidades católicas, mostrando “que não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para a verdade”.
9. Será importante promover encontros com pessoas que, “embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo”, inspirando-se também nos diálogos do Pátio dos Gentios, organizados sob a guia do Conselho Pontifício para a Cultura.
10. O Ano da Fé poderá ser uma ocasião para prestar uma maior atenção às Escolas católicas, lugares próprios para oferecer aos alunos um testemunho vivo do Senhor e para cultivar a sua fé com uma referência oportuna à utilização de bons instrumentos catequéticos, como por exemplo, o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica ou como o Youcat.
IV. A nível das paróquias / comunidades / associações / movimentos
1. Em preparação para o Ano da Fé, todos os fiéis são convidados a ler e meditar atentamente a Carta apostólica Porta fidei do Santo Padre Bento XVI.
2. O Ano da Fé “será uma ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia”. Na Eucaristia, mistério da fé e fonte da nova evangelização, a fé da Igreja é proclamada, celebrada e fortalecida. Todos os fiéis são convidados a participar dela conscientemente, activamente e frutuosamente, a fim de serem testemunhas autênticas do Senhor.
3. Os sacerdotes poderão dedicar maior atenção ao estudo dos Documentos do Concílio Vaticano II e do Catecismo da Igreja Católica, tirando daí fruto para a pastoral paroquial – a catequese, a pregação, a preparação aos sacramentos – e propondo ciclos de homilias sobre a fé ou sobre alguns dos seus aspectos específicos, como por exemplo “o encontro com Cristo”, “os conteúdos fundamentais do Credo”, “a fé e a Igreja”.
4. Os catequistas poderão haurir sobremaneira da riqueza doutrinal do Catecismo da Igreja Católica e guiar, sob a responsabilidade dos respectivos párocos, grupos de fiéis à leitura e ao aprofundamento deste precioso instrumento, a fim de criar pequenas comunidades de fé e de testemunho do Senhor Jesus.
5. Deseja-se que nas paróquias haja um empenho renovado na difusão e na distribuição do Catecismo da Igreja Católica ou de outros subsídios adequados às famílias, que são autênticas igrejas domésticas e primeiro lugar da transmissão da fé, como por exemplo no contexto das bênçãos das casas, dos Baptismos dos adultos, das Crismas, dos Matrimónios. Isto poderá contribuir para a confissão e aprofundamento da doutrina católica “nas nossas casas e no meio das nossas famílias, para que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer melhor e de transmitir às gerações futuras a fé de sempre”.
6. Será oportuno promover missões populares e outras iniciativas nas paróquias e nos lugares de trabalho para ajudar os fiéis a redescobrir o dom da fé abismal e a responsabilidade do seu testemunho, na consciência de que a vocação cristã “é também, por sua própria natureza, vocação ao apostolado”.
7. Neste tempo, os membros dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica são solicitados a se empenhar na nova evangelização, com uma adesão renovada ao Senhor Jesus, pela contribuição dos próprios carismas e na fidelidade ao Santo Padre e à sã doutrina.
8. As Comunidades contemplativas durante o Ano da Fé dedicarão uma intenção de oração especial para a renovação da fé no Povo de Deus e para um novo impulso na sua transmissão às jovens gerações.
9. As Associações e os Movimentos eclesiais são convidados a serem promotores de iniciativas específicas, as quais, pela contribuição do próprio carisma e em colaboração com os Pastores locais, sejam inseridas no grande evento do Ano da Fé. As novas Comunidades e os Movimentos eclesiais, de modo criativo e generoso, saberão encontrar os modos mais adequados para oferecer o próprio testemunho de fé ao serviço da Igreja.
10. Todos os fiéis, chamados a reavivar o dom da fé, tentarão comunicar a própria experiência de fé e de caridade dialogando com os seus irmãos e irmãs, também com os das outras confissões cristãs, com os seguidores de outras religiões e com aqueles que não crêem ou são indiferentes. Deste modo se deseja que todo o povo cristão comece uma espécie de missão endereçada aqueles com os quais vive e trabalha, com consciência de ter recebido “a mensagem da salvação para a comunicar a todos”.
CONCLUSÃO
A fé “é companheira de vida, que permite perceber, com um olhar sempre novo, as maravilhas que Deus realiza por nós. Solícita a identificar os sinais dos tempos no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo”. A fé é um acto pessoal e ao mesmo tempo comunitário: é um dom de Deus que deve ser vivenciado na grande comunhão da Igreja e deve ser comunicado ao mundo.
Cada iniciativa para o Ano da Fé quer favorecer a alegre redescoberta e o testemunho renovado da fé. As indicações aqui oferecidas têm o fim de convidar todos os membros da Igreja ao empenho a fim de que este Ano seja a ocasião privilegiada para partilhar aquilo que o cristão tem de mais caro: Cristo Jesus, Redentor do homem, Rei do Universo, “autor e consumador da fé” (Heb 12, 2).
Roma, da Sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 6 de Janeiro de 2012,
Solenidade da Epifania do Senhor.
WILLIAM Card. LEVADA
CARTA APOSTÓLICA
SOB FORMA DE MOTU PROPRIO
PORTA FIDEI
DO SUMO PONTÍFICE
BENTO XVI
COM A QUAL SE PROCLAMA O ANO DA FÉ
1. A PORTA DA FÉ (cf. Act 14, 27), que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja, está sempre aberta para nós. É possível cruzar este limiar, quando a Palavra de Deus é anunciada e o coração se deixa plasmar pela graça que transforma. Atravessar esta porta implica embrenhar-se num caminho que dura a vida inteira. Este caminho tem início no Baptismo (cf. Rm 6, 4), pelo qual podemos dirigir-nos a Deus com o nome de Pai, e está concluído com a passagem através da morte para a vida eterna, fruto da ressurreição do Senhor Jesus, que, com o dom do Espírito Santo, quis fazer participantes da sua própria glória quantos crêem n’Ele (cf. Jo 17, 22). Professar a fé na Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – equivale a crer num só Deus que é Amor (cf. 1 Jo 4, 8): o Pai, que na plenitude dos tempos enviou seu Filho para a nossa salvação; Jesus Cristo, que redimiu o mundo no mistério da sua morte e ressurreição; o Espírito Santo, que guia a Igreja através dos séculos enquanto aguarda o regresso glorioso do Senhor.
2. Desde o princípio do meu ministério como Sucessor de Pedro, lembrei a necessidade de redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo. Durante a homilia da Santa Missa no início do pontificado, disse: «A Igreja no seu conjunto, e os Pastores nela, como Cristo devem pôr-se a caminho para conduzir os homens fora do deserto, para lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a vida, a vida em plenitude»[1]. Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado. [2] Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é assim em grandes sectores da sociedade devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas.
3. Não podemos aceitar que o sal se torne insípido e a luz fique escondida (cf. Mt 5, 13-16). Também o homem contemporâneo pode sentir de novo a necessidade de ir como a samaritana ao poço, para ouvir Jesus que convida a crer N’Ele e a beber na sua fonte, donde jorra água viva (cf. Jo 4, 14). Devemos readquirir o gosto de nos alimentarmos da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecidos como sustento de quantos são seus discípulos (cf. Jo 6, 51). De facto, em nossos dias ressoa ainda, com a mesma força, este ensinamento de Jesus: «Trabalhai, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna» (Jo 6, 27). E a questão, então posta por aqueles que O escutavam, é a mesma que colocamos nós também hoje: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» (Jo 6, 28). Conhecemos a resposta de Jesus: «A obra de Deus é esta: crer n’Aquele que Ele enviou» (Jo 6, 29). Por isso, crer em Jesus Cristo é o caminho para se poder chegar definitivamente à salvação.
4. À luz de tudo isto, decidi proclamar um Ano da Fé. Este terá início a 11 de Outubro de 2012, no cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II, e terminará na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, a 24 de Novembro de 2013. Na referida data de 11 de Outubro de 2012, completar-se-ão também vinte anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica, texto promulgado pelo meu Predecessor, o Beato Papa João Paulo II,[3] com o objectivo de ilustrar a todos os fiéis a força e a beleza da fé. Esta obra, verdadeiro fruto do Concílio Vaticano II, foi desejada pelo Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985 como instrumento ao serviço da catequese [4] e foi realizado com a colaboração de todo o episcopado da Igreja Católica. E uma Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos foi convocada por mim, precisamente para o mês de Outubro de 2012, tendo por tema A nova evangelização para a transmissão da fé cristã. Será uma ocasião propícia para introduzir o complexo eclesial inteiro num tempo de particular reflexão e redescoberta da fé. Não é a primeira vez que a Igreja é chamada a celebrar um Ano da Fé. O meu venerado Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, proclamou um ano semelhante, em 1967, para comemorar o martírio dos apóstolos Pedro e Paulo no décimo nono centenário do seu supremo testemunho. Idealizou-o como um momento solene, para que houvesse, em toda a Igreja, «uma autêntica e sincera profissão da mesma fé»; quis ainda que esta fosse confirmada de maneira «individual e colectiva, livre e consciente, interior e exterior, humilde e franca».[5] Pensava que a Igreja poderia assim retomar «exacta consciência da sua fé para a reavivar, purificar, confirmar, confessar».[6] As grandes convulsões, que se verificaram naquele Ano, tornaram ainda mais evidente a necessidade duma tal celebração. Esta terminou com a Profissão de Fé do Povo de Deus,[7] para atestar como os conteúdos essenciais, que há séculos constituem o património de todos os crentes, necessitam de ser confirmados, compreendidos e aprofundados de maneira sempre nova para se dar testemunho coerente deles em condições históricas diversas das do passado.
5. Sob alguns aspectos, o meu venerado Predecessor viu este Ano como uma «consequência e exigência pós-conciliar»[8], bem ciente das graves dificuldades daquele tempo sobretudo no que se referia à profissão da verdadeira fé e da sua recta interpretação. Pareceu-me que fazer coincidir o início do Ano da Fé com o cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II poderia ser uma ocasião propícia para compreender que os textos deixados em herança pelos Padres Conciliares, segundo as palavras do Beato João Paulo II, «não perdem o seu valor nem a sua beleza. É necessário fazê-los ler de forma tal que possam ser conhecidos e assimilados como textos qualificados e normativos do Magistério, no âmbito da Tradição da Igreja. Sinto hoje ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça de que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa».[9] Quero aqui repetir com veemência as palavras que disse a propósito do Concílio poucos meses depois da minha eleição para Sucessor de Pedro: «Se o lermos e recebermos guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja».[10]
6. A renovação da Igreja realiza-se também através do testemunho prestado pela vida dos crentes: de facto, os cristãos são chamados a fazer brilhar, com a sua própria vida no mundo, a Palavra de verdade que o Senhor Jesus nos deixou. O próprio Concílio, na Constituição dogmática Lumen gentium, afirma: «Enquanto Cristo “santo, inocente, imaculado” (Heb 7, 26), não conheceu o pecado (cf. 2 Cor 5, 21), mas veio apenas expiar os pecados do povo (cf. Heb 2, 17), a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação. A Igreja “prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus”, anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha (cf. 1 Cor 11, 26). Mas é robustecida pela força do Senhor ressuscitado, de modo a vencer, pela paciência e pela caridade, as suas aflições e dificuldades tanto internas como externas, e a revelar, velada mas fielmente, o seu mistério, até que por fim se manifeste em plena luz».[11]
Nesta perspectiva, o Ano da Fé é convite para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. No mistério da sua morte e ressurreição, Deus revelou plenamente o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida por meio da remissão dos pecados (cf. Act 5, 31). Para o apóstolo Paulo, este amor introduz o homem numa vida nova: «Pelo Baptismo fomos sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova» (Rm 6, 4). Em virtude da fé, esta vida nova plasma toda a existência humana segundo a novidade radical da ressurreição. Na medida da sua livre disponibilidade, os pensamentos e os afectos, a mentalidade e o comportamento do homem vão sendo pouco a pouco purificados e transformados, ao longo de um itinerário jamais completamente terminado nesta vida. A «fé, que actua pelo amor» (Gl 5, 6), torna-se um novo critério de entendimento e de acção, que muda toda a vida do homem (cf. Rm 12, 2; Cl 3, 9-10; Ef 4, 20-29; 2 Cor 5, 17).
7. «Caritas Christi urget nos – o amor de Cristo nos impele» (2 Cor 5, 14): é o amor de Cristo que enche os nossos corações e nos impele a evangelizar. Hoje, como outrora, Ele envia-nos pelas estradas do mundo para proclamar o seu Evangelho a todos os povos da terra (cf. Mt 28, 19). Com o seu amor, Jesus Cristo atrai a Si os homens de cada geração: em todo o tempo, Ele convoca a Igreja confiando-lhe o anúncio do Evangelho, com um mandato que é sempre novo. Por isso, também hoje é necessário um empenho eclesial mais convicto a favor duma nova evangelização, para descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a fé. Na descoberta diária do seu amor, ganha força e vigor o compromisso missionário dos crentes, que jamais pode faltar. Com efeito, a fé cresce quando é vivida como experiência de um amor recebido e é comunicada como experiência de graça e de alegria. A fé torna-nos fecundos, porque alarga o coração com a esperança e permite oferecer um testemunho que é capaz de gerar: de facto, abre o coração e a mente dos ouvintes para acolherem o convite do Senhor a aderir à sua Palavra a fim de se tornarem seus discípulos. Os crentes – atesta Santo Agostinho – «fortificam-se acreditando».[12] O Santo Bispo de Hipona tinha boas razões para falar assim. Como sabemos, a sua vida foi uma busca contínua da beleza da fé enquanto o seu coração não encontrou descanso em Deus.[13] Os seus numerosos escritos, onde se explica a importância de crer e a verdade da fé, permaneceram até aos nossos dias como um património de riqueza incomparável e consentem ainda que tantas pessoas à procura de Deus encontrem o justo percurso para chegar à «porta da fé».
Por conseguinte, só acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em Deus.
8. Nesta feliz ocorrência, pretendo convidar os Irmãos Bispos de todo o mundo para que se unam ao Sucessor de Pedro, no tempo de graça espiritual que o Senhor nos oferece, a fim de comemorar o dom precioso da fé. Queremos celebrar este Ano de forma digna e fecunda. Deverá intensificar-se a reflexão sobre a fé, para ajudar todos os crentes em Cristo a tornarem mais consciente e revigorarem a sua adesão ao Evangelho, sobretudo num momento de profunda mudança como este que a humanidade está a viver. Teremos oportunidade de confessar a fé no Senhor Ressuscitado nas nossas catedrais e nas igrejas do mundo inteiro, nas nossas casas e no meio das nossas famílias, para que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer melhor e de transmitir às gerações futuras a fé de sempre. Neste Ano, tanto as comunidades religiosas como as comunidades paroquiais e todas as realidades eclesiais, antigas e novas, encontrarão forma de fazer publicamente profissão do Credo.
9. Desejamos que este Ano suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com confiança e esperança. Será uma ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é «a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força».[14] Simultaneamente esperamos que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade. Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada[15] e reflectir sobre o próprio acto com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano.
Não foi sem razão que, nos primeiros séculos, os cristãos eram obrigados a aprender de memória o Credo. É que este servia-lhes de oração diária, para não esquecerem o compromisso assumido com o Baptismo. Recorda-o, com palavras densas de significado, Santo Agostinho quando afirma numa homilia sobre a redditio symboli (a entrega do Credo): «O símbolo do santo mistério, que recebestes todos juntos e que hoje proferistes um a um, reúne as palavras sobre as quais está edificada com solidez a fé da Igreja, nossa Mãe, apoiada no alicerce seguro que é Cristo Senhor. E vós recebeste-lo e proferiste-lo, mas deveis tê-lo sempre presente na mente e no coração, deveis repeti-lo nos vossos leitos, pensar nele nas praças e não o esquecer durante as refeições; e, mesmo quando o corpo dorme, o vosso coração continue de vigília por ele».[16]
10. Queria agora delinear um percurso que ajude a compreender de maneira mais profunda os conteúdos da fé e, juntamente com eles, também o acto pelo qual decidimos, com plena liberdade, entregar-nos totalmente a Deus. De facto, existe uma unidade profunda entre o acto com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento. O apóstolo Paulo permite entrar dentro desta realidade quando escreve: «Acredita-se com o coração e, com a boca, faz-se a profissão de fé» (Rm 10, 10). O coração indica que o primeiro acto, pelo qual se chega à fé, é dom de Deus e acção da graça que age e transforma a pessoa até ao mais íntimo dela mesma.
A este respeito é muito eloquente o exemplo de Lídia. Narra São Lucas que o apóstolo Paulo, encontrando-se em Filipos, num sábado foi anunciar o Evangelho a algumas mulheres; entre elas, estava Lídia. «O Senhor abriu-lhe o coração para aderir ao que Paulo dizia» (Act 16, 14). O sentido contido na expressão é importante. São Lucas ensina que o conhecimento dos conteúdos que se deve acreditar não é suficiente, se depois o coração – autêntico sacrário da pessoa – não for aberto pela graça, que consente ter olhos para ver em profundidade e compreender que o que foi anunciado é a Palavra de Deus.
Por sua vez, o professar com a boca indica que a fé implica um testemunho e um compromisso públicos. O cristão não pode jamais pensar que o crer seja um facto privado. A fé é decidir estar com o Senhor, para viver com Ele. E este «estar com Ele» introduz na compreensão das razões pelas quais se acredita. A fé, precisamente porque é um acto da liberdade, exige também assumir a responsabilidade social daquilo que se acredita. No dia de Pentecostes, a Igreja manifesta, com toda a clareza, esta dimensão pública do crer e do anunciar sem temor a própria fé a toda a gente. É o dom do Espírito Santo que prepara para a missão e fortalece o nosso testemunho, tornando-o franco e corajoso.
A própria profissão da fé é um acto simultaneamente pessoal e comunitário. De facto, o primeiro sujeito da fé é a Igreja. É na fé da comunidade cristã que cada um recebe o Baptismo, sinal eficaz da entrada no povo dos crentes para obter a salvação. Como atesta o Catecismo da Igreja Católica, «“Eu creio”: é a fé da Igreja, professada pessoalmente por cada crente, principalmente por ocasião do Baptismo. “Nós cremos”: é a fé da Igreja, confessada pelos bispos reunidos em Concílio ou, de modo mais geral, pela assembleia litúrgica dos crentes. “Eu creio”: é também a Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus pela sua fé e nos ensina a dizer: “Eu creio”, “Nós cremos”».[17]
Como se pode notar, o conhecimento dos conteúdos de fé é essencial para se dar o próprio assentimento, isto é, para aderir plenamente com a inteligência e a vontade a quanto é proposto pela Igreja. O conhecimento da fé introduz na totalidade do mistério salvífico revelado por Deus. Por isso, o assentimento prestado implica que, quando se acredita, se aceita livremente todo o mistério da fé, porque o garante da sua verdade é o próprio Deus, que Se revela e permite conhecer o seu mistério de amor.[18]
Por outro lado, não podemos esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Esta busca é um verdadeiro «preâmbulo» da fé, porque move as pessoas pela estrada que conduz ao mistério de Deus. De facto, a própria razão do homem traz inscrita em si mesma a exigência «daquilo que vale e permanece sempre».[19] Esta exigência constitui um convite permanente, inscrito indelevelmente no coração humano, para caminhar ao encontro d’Aquele que não teríamos procurado se Ele mesmo não tivesse já vindo ao nosso encontro.[20] É precisamente a este encontro que nos convida e abre plenamente a fé.
11. Para chegar a um conhecimento sistemático da fé, todos podem encontrar um subsídio precioso e indispensável no Catecismo da Igreja Católica. Este constitui um dos frutos mais importantes do Concílio Vaticano II. Na Constituição apostólica Fidei depositum – não sem razão assinada na passagem do trigésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano II – o Beato João Paulo II escrevia: «Este catecismo dará um contributo muito importante à obra de renovação de toda a vida eclesial (...). Declaro-o norma segura para o ensino da fé e, por isso, instrumento válido e legítimo ao serviço da comunhão eclesial».[21]
É precisamente nesta linha que o Ano da Fé deverá exprimir um esforço generalizado em prol da redescoberta e do estudo dos conteúdos fundamentais da fé, que têm no Catecismo da Igreja Católica a sua síntese sistemática e orgânica. Nele, de facto, sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres de teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para dar certeza aos crentes na sua vida de fé.
Na sua própria estrutura, o Catecismo da Igreja Católica apresenta o desenvolvimento da fé até chegar aos grandes temas da vida diária. Repassando as páginas, descobre-se que o que ali se apresenta não é uma teoria, mas o encontro com uma Pessoa que vive na Igreja. Na verdade, a seguir à profissão de fé, vem a explicação da vida sacramental, na qual Cristo está presente e operante, continuando a construir a sua Igreja. Sem a liturgia e os sacramentos, a profissão de fé não seria eficaz, porque faltaria a graça que sustenta o testemunho dos cristãos. Na mesma linha, a doutrina do Catecismo sobre a vida moral adquire todo o seu significado, se for colocada em relação com a fé, a liturgia e a oração.
12. Assim, no Ano em questão, o Catecismo da Igreja Católica poderá ser um verdadeiro instrumento de apoio da fé, sobretudo para quantos têm a peito a formação dos cristãos, tão determinante no nosso contexto cultural. Com tal finalidade, convidei a Congregação para a Doutrina da Fé a redigir, de comum acordo com os competentes Organismos da Santa Sé, uma Nota, através da qual se ofereçam à Igreja e aos crentes algumas indicações para viver, nos moldes mais eficazes e apropriados, este Ano da Fé ao serviço do crer e do evangelizar.
De facto, em nossos dias mais do que no passado, a fé vê-se sujeita a uma série de interrogativos, que provêm duma diversa mentalidade que, hoje de uma forma particular, reduz o âmbito das certezas racionais ao das conquistas científicas e tecnológicas. Mas, a Igreja nunca teve medo de mostrar que não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para a verdade.[22]
13. Será decisivo repassar, durante este Ano, a história da nossa fé, que faz ver o mistério insondável da santidade entrelaçada com o pecado. Enquanto a primeira põe em evidência a grande contribuição que homens e mulheres prestaram para o crescimento e o progresso da comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo deve provocar em todos uma sincera e contínua obra de conversão para experimentar a misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos.
Ao longo deste tempo, manteremos o olhar fixo sobre Jesus Cristo, «autor e consumador da fé» (Heb 12, 2): n’Ele encontra plena realização toda a ânsia e anélito do coração humano. A alegria do amor, a resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a força do perdão face à ofensa recebida e a vitória da vida sobre o vazio da morte, tudo isto encontra plena realização no mistério da sua Encarnação, do seu fazer-Se homem, do partilhar connosco a fragilidade humana para a transformar com a força da sua ressurreição. N’Ele, morto e ressuscitado para a nossa salvação, encontram plena luz os exemplos de fé que marcaram estes dois mil anos da nossa história de salvação.
Pela fé, Maria acolheu a palavra do Anjo e acreditou no anúncio de que seria Mãe de Deus na obediência da sua dedicação (cf. Lc 1, 38). Ao visitar Isabel, elevou o seu cântico de louvor ao Altíssimo pelas maravilhas que realizava em quantos a Ele se confiavam (cf. Lc 1, 46-55). Com alegria e trepidação, deu à luz o seu Filho unigénito, mantendo intacta a sua virgindade (cf. Lc 2, 6-7). Confiando em José, seu Esposo, levou Jesus para o Egipto a fim de O salvar da perseguição de Herodes (cf. Mt 2, 13-15). Com a mesma fé, seguiu o Senhor na sua pregação e permaneceu a seu lado mesmo no Gólgota (cf. Jo 19, 25-27). Com fé, Maria saboreou os frutos da ressurreição de Jesus e, conservando no coração a memória de tudo (cf. Lc 2, 19.51), transmitiu-a aos Doze reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito Santo (cf. Act 1, 14; 2, 1-4).
Pela fé, os Apóstolos deixaram tudo para seguir o Mestre (cf. Mc 10, 28). Acreditaram nas palavras com que Ele anunciava o Reino de Deus presente e realizado na sua Pessoa (cf. Lc 11, 20). Viveram em comunhão de vida com Jesus, que os instruía com a sua doutrina, deixando-lhes uma nova regra de vida pela qual haveriam de ser reconhecidos como seus discípulos depois da morte d’Ele (cf. Jo 13, 34-35). Pela fé, foram pelo mundo inteiro, obedecendo ao mandato de levar o Evangelho a toda a criatura (cf. Mc 16, 15) e, sem temor algum, anunciaram a todos a alegria da ressurreição, de que foram fiéis testemunhas.
Pela fé, os discípulos formaram a primeira comunidade reunida à volta do ensino dos Apóstolos, na oração, na celebração da Eucaristia, pondo em comum aquilo que possuíam para acudir às necessidades dos irmãos (cf. Act 2, 42-47).
Pela fé, os mártires deram a sua vida para testemunhar a verdade do Evangelho que os transformara, tornando-os capazes de chegar até ao dom maior do amor com o perdão dos seus próprios perseguidores.
Pela fé, homens e mulheres consagraram a sua vida a Cristo, deixando tudo para viver em simplicidade evangélica a obediência, a pobreza e a castidade, sinais concretos de quem aguarda o Senhor, que não tarda a vir. Pela fé, muitos cristãos se fizeram promotores de uma acção em prol da justiça, para tornar palpável a palavra do Senhor, que veio anunciar a libertação da opressão e um ano de graça para todos (cf. Lc 4, 18-19).
Pela fé, no decurso dos séculos, homens e mulheres de todas as idades, cujo nome está escrito no Livro da vida (cf. Ap 7, 9; 13, 8), confessaram a beleza de seguir o Senhor Jesus nos lugares onde eram chamados a dar testemunho do seu ser cristão: na família, na profissão, na vida pública, no exercício dos carismas e ministérios a que foram chamados.
Pela fé, vivemos também nós, reconhecendo o Senhor Jesus vivo e presente na nossa vida e na história.
14. O Ano da Fé será uma ocasião propícia também para intensificar o testemunho da caridade. Recorda São Paulo: «Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade» (1 Cor 13, 13). Com palavras ainda mais incisivas – que não cessam de empenhar os cristãos –, afirmava o apóstolo Tiago: «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome”, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda! Poderá alguém alegar sensatamente: “Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé”» (Tg 2, 14-18).
A fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar o seu caminho. De facto, não poucos cristãos dedicam amorosamente a sua vida a quem vive sozinho, marginalizado ou excluído, considerando-o como o primeiro a quem atender e o mais importante a socorrer, porque é precisamente nele que se espelha o próprio rosto de Cristo. Em virtude da fé, podemos reconhecer naqueles que pedem o nosso amor o rosto do Senhor ressuscitado. «Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40): estas palavras de Jesus são uma advertência que não se deve esquecer e um convite perene a devolvermos aquele amor com que Ele cuida de nós. É a fé que permite reconhecer Cristo, e é o seu próprio amor que impele a socorrê-Lo sempre que Se faz próximo nosso no caminho da vida. Sustentados pela fé, olhamos com esperança o nosso serviço no mundo, aguardando «novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça» (2 Ped 3, 13; cf. Ap 21, 1).
15. Já no termo da sua vida, o apóstolo Paulo pede ao discípulo Timóteo que «procure a fé» (cf. 2 Tm 2, 22) com a mesma constância de quando era novo (cf. 2 Tm 3, 15). Sintamos este convite dirigido a cada um de nós, para que ninguém se torne indolente na fé. Esta é companheira de vida, que permite perceber, com um olhar sempre novo, as maravilhas que Deus realiza por nós. Solícita a identificar os sinais dos tempos no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo. Aquilo de que o mundo tem hoje particular necessidade é o testemunho credível de quantos, iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor, são capazes de abrir o coração e a mente de muitos outros ao desejo de Deus e da vida verdadeira, aquela que não tem fim.
Que «a Palavra do Senhor avance e seja glorificada» (2 Ts 3, 1)! Possa este Ano da Fé tornar cada vez mais firme a relação com Cristo Senhor, dado que só n’Ele temos a certeza para olhar o futuro e a garantia dum amor autêntico e duradouro. As seguintes palavras do apóstolo Pedro lançam um último jorro de luz sobre a fé: «É por isso que exultais de alegria, se bem que, por algum tempo, tenhais de andar aflitos por diversas provações; deste modo, a qualidade genuína da vossa fé – muito mais preciosa do que o ouro perecível, por certo também provado pelo fogo – será achada digna de louvor, de glória e de honra, na altura da manifestação de Jesus Cristo. Sem O terdes visto, vós O amais; sem O ver ainda, credes n’Ele e vos alegrais com uma alegria indescritível e irradiante, alcançando assim a meta da vossa fé: a salvação das almas» (1 Ped 1, 6-9). A vida dos cristãos conhece a experiência da alegria e a do sofrimento. Quantos Santos viveram na solidão! Quantos crentes, mesmo em nossos dias, provados pelo silêncio de Deus, cuja voz consoladora queriam ouvir! As provas da vida, ao mesmo tempo que permitem compreender o mistério da Cruz e participar nos sofrimentos de Cristo (cf. Cl 1, 24) , são prelúdio da alegria e da esperança a que a fé conduz: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 10). Com firme certeza, acreditamos que o Senhor Jesus derrotou o mal e a morte. Com esta confiança segura, confiamo-nos a Ele: Ele, presente no meio de nós, vence o poder do maligno (cf. Lc 11, 20); e a Igreja, comunidade visível da sua misericórdia, permanece n’Ele como sinal da reconciliação definitiva com o Pai.
À Mãe de Deus, proclamada «feliz porque acreditou» (cf. Lc 1, 45), confiamos este tempo de graça.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 11 de Outubro do ano 2011, sétimo de Pontificado.
BENEDICTUS PP. XVI
[1] Homilia no início do ministério petrino do Bispo de Roma (24 de Abril de 2005): AAS 97 (2005), 710.
[2] Cf. Bento XVI, Homilia da Santa Missa no Terreiro do Paço (Lisboa – 11 de Maio de 2010): L’Osservatore Romano (ed. port. de 15/V/2010), 3.
[3] Cf. João Paulo II, Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 113-118.
[4] Cf. Relação final do Sínodo Extraordinário dos Bispos (7 de Dezembro de 1985), II, B, a, 4: L’Osservatore Romano (ed. port. de 22/XII/1985), 650.
[5] Paulo VI, Exort. ap. Petrum et Paulum Apostolos, no XIX centenário do martírio dos Apóstolos São Pedro e São Paulo (22 de Fevereiro de 1967): AAS 59 (1967), 196.
[6] Ibid.: o.c., 198.
[7] Paulo VI, Profissão Solene de Fé, Homilia durante a Concelebração por ocasião do XIX centenário do martírio dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, no encerramento do «Ano da Fé» (30 de Junho de 1968): AAS 60 (1968), 433-445.
[8] Paulo VI, Audiência Geral (14 de Junho de 1967): Insegnamenti, V (1967), 801.
[9] João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 57: AAS 93 (2001), 308.
[10] Discurso à Cúria Romana (22 de Dezembro de 2005): AAS 98 (2006), 52.
[11] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 8.
[12] De utilitate credendi, 1, 2.
[13] Cf. Confissões, 1, 1.
[14] Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 10.
[15] Cf. João Paulo II, Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 116.
[16] Santo Agostinho, Sermo 215, 1.
[17] Catecismo da Igreja Católica, 167.
[18] Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, cap. III: DS 3008-3009; Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 5.
[19] Bento XVI, Discurso no «Collège des Bernardins» (Paris, 12 de Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 722.
[20] Cf. Santo Agostinho, Confissões, 13, 1.
[21] Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 115 e 117.
[22] Cf. João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 34.106: AAS 91 (1999), 31-32.86-87.