Notas Pastorais II

Mudança e atualização

1. Interpelações da mudança
De 26 a 29 de janeiro, em Albufeira, o clero das dioceses de Évora, Beja e Algarve realizou as oitavas Jornadas de Atualização, promovidas pelo Instituto Superior de Teologia de Évora, subordinadas ao Tema - Que pastores para a Igreja no mundo atual? Há cinquenta anos atrás o concílio Vaticano II, convocado pelo bom Papa João XXIII, agora proclamado santo, refletiu sobre quase todos os aspetos da doutrina e vida da Igreja sob o prisma do seu significado para o mundo, fenómeno que ficou conhecido pela palavra italiana aggiornamento, que podemos traduzir por por-se em dia, atualizar-se.



Para uns isso foi um escândalo e para outros um sinal de primavera, de rejuvenescimento. Como pode Deus e a revelação da sua vontade atualizar-se? Não será antes a humanidade que tem de adaptar-se? Por outro lado, como tornar significante hoje o que foi expresso numa cultura do passado? Afinal, quem tem de adaptar-se?

Estas interrogações mereceriam grandes reflexões. Mas, na brevidade desta nota, focarei apenas um aspeto, referente aos agentes principais que são chamados a viver e testemunhar a revelação de Deus nos tempos atuais. Foi esse o objetivo destas jornadas, sempre a ter em conta em todas as atualizações.

A terra move-se, as gerações e transformações dos ambientes e das culturas sucedem-se, hoje de modo mais veloz, devido ao mundo global em que vivemos e aos meios de que dispomos. Precisamos de alguns pontos de referência para ler e descobrir o sentido de toda esta mudança. Como dizia Santa Teresa, cujo V centenário do nascimento estamos a celebrar: nada te perturbe, nada te espante, tudo passa, Deus não muda, a paciência tudo alcança; quem a Deus tem, nada lhe falta: só Deus basta.

Deus é realmente o ponto de referência, que tem como ponto alto da sua revelação histórica a vida e mensagem de Jesus Cristo. É na sua referência a Jesus Cristo que a Igreja de todos os tempos encontra o sentido da sua natureza e missão. As testemunhas desse ponto de referência só significam alguma coisa nessa relação com Jesus Cristo e com o mundo do seu tempo, em constante mutação. Por isso precisam de um processo de atualização contínua, para serem significantes. Daí o tema destas jornadas: que pastores para o nosso tempo?

Foi num ambiente de convivência fraterna, entre bispos, presbíteros, diáconos e conferencistas de diversos meios, formação e profissões, em palestras, trabalhos de grupo, oração e convívio, que fomos sendo interpelados sobre as nossas relações primordiais. De salientar o contributo de D. Jorge Patron Wong, secretário da Congregação do Clero. Todos ficamos mais conscientes de que a nossa vida e ação tem de ser sempre numa perspetiva de filiação, fraternidade e paternidade, à semelhança de Jesus, que viveu a sua condição de Filho de Deus, irmão nosso e sempre em relação com o Pai, cuja vontade veio para cumprir.

2. Mudanças pessoais e estruturais

As mudanças são de ordem pessoal e estrutural. Quem recebeu a vocação para o serviço ao povo de Deus nunca pode esquecer essa atitude fundamental de relação com aqueles que deve servir: humilde e fraterna, procurando centrá-los naqu’Ele que enviou, pois só Ele é Mestre e Senhor.



Mas isto não se consegue, se o enviado não cultivar em relação a Ele também uma atitude filial contínua e fiel, de escuta e diálogo, como quem procura saber a vontade de quem o envia e as necessidades daqueles a quem é enviado. Além da atitude fraterna e filial, o servidor deve assumir também a missão paterna, ajudando a nascer e a crescer os filhos de Deus até à maturidade das relações fundamentais e caraterísticas do povo de Deus. Isto implica uma conversão contínua dos pastores pela oração, abertura aos dons de Deus, formação, atualização, e, muito especialmente, pela caridade pastoral, como se exprime um documento do concílio.

A partir daqui surge a necessidade de adequar os meios e instrumentos comunitários da missão dos pastores em relação às pessoas, comunidades e povos de cada tempo. A caridade pastoral é criativa e descobre os melhores meios para melhor servir. É na relação fraterna entre os pastores e o povo de Deus que se descobrem esses meios mais adequados, para atingir a finalidade da vida e mensagem de Jesus Cristo, que tem de ser também a da Igreja e dos pastores.

À luz deste princípio muitas rotinas e estruturas pastorais se revelam obsoletas e precisam de ser mudadas. Mas isto não pode fazer cada um por si. É preciso deixar-nos envolver, numa comunhão profunda, que nos faz participar na vida e no bem do todo, que é o Povo de Deus de cada tempo, região e cultura.

Para descobrir as melhores estruturas de comunhão e participação convocámos um Sínodo, que pretende envolver a todos na descoberta da vontade de Deus e das necessidades deste povo no Alentejo.

Direi mesmo que a estrutura sinodal da Igreja é a mais adequada e perfeita de todas, em ordem a atingir aquele ideal de vida cristã, relatado no livro dos Atos dos Apóstolos: todos os que abraçaram a fé eram assíduos e perseverantes em ouvir o ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações (2, 42)..., de modo que entre eles ninguém passava necessidade (4, 34).

Nesta súmula temos um programa de vida pessoal e comunitário, que, posto em prática, dará hoje novo vigor à pastoral da Igreja.

† António Vitalino, Bispo de Beja
02 de Fevereiro de 2015


Vidas em contra-corrente

1. Fora de moda por opção

A 30 de novembro de 2014 começámos a celebrar um ano dedicado pelo Papa à vida consagrada, ou seja, àquelas opções de vida que estão em contra-corrente e fora de moda por opção, que leva pessoas a constituirem comunidades cujo objetivo não é constituir uma família de sangue ou para satisfazer o corpo ou a vontade própria, mas para louvar a Deus e servir os outros, sobretudo os mais pobres. São as comunidades de vida consagrada, de frades e freiras como se diz popularmente, em que os seus membros renunciam aos estilos de vida usuais e prometem seguir e imitar Jesus Cristo através dos votos de obediência, pobreza e castidade.




Em Portugal estamos a celebrar uma semana especialmente dedicada à vida consagrada, que termina no dia 2 de fevereiro, festa da apresentação de Jesus no templo e que na diocese vai ter um ponto alto no dia 31 de janeiro, com um encontro diocesano no Centro Pastoral de Beja. Neste encontro queremos fazer memória agradecida do passado na diocese e na Igreja, abraçar o futuro com esperança e viver o presente com paixão, como se expressam os bispos portugueses na nota pastoral que publicaram para este ano da vida consagrada.

Presentemente temos na diocese cinco comunidades de vida consagrada masculina: em Beja, os Carmelitas e a Fraternidade dos Irmãozinhos de S. Francisco de Assis; em Santiago do Cacém, a Congregação da Missão ou Vicentinos; em Almodôvar, a Congregação do Verbo Divino ou Verbitas; em S. Martinho das Amoreiras e Colos, a Milícia de Cristo ou Milicianos. Está também entre nós, na Amareleja e Barrancos, um missionário xaveriano, o Padre Carlos, da Bolívia.

Comunidades femininas temos em Beja o Carmelo, as Oblatas do Divino Coração, fundadas por D. José do Patrocínio Dias, que têm também uma comunidade em Odemira, as Cooperadoras da Família na Casa Episcopal, as Carmelitas Missionárias, as Franciscanas Missionárias de Maria na Fundação Manuel Gerardo, que têm também uma comunidade em Vila Nova de Santo André e as Irmãs da Divina Providência e Sagrada Família, no Seminário, que têm também uma comunidade em Vila Alva.

Em Ferreira do Alentejo está uma comunidade das Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, que também já tiveram uma comunidade em Moura. Em Sabóia está uma comunidade das Missionárias do Espírito Santo. Em Safara estão as Servas da Divina Providência de Maria Auxiliadora e do Próximo. Na Amareleja estão as Servas de Nossa Senhora de Fátima.

Desde o verão temos em Colos os Servos de Maria do Divino Coração, uma nova comunidade vinda do Brasil, que residem na casa onde antes estavam as Irmãs do Bom Pastor, que deixaram a diocese no verão passado. Também as Irmãs Doroteias, que estavam em S. João de Negrilhos, deixaram a diocese no mês de dezembro. Além destas comunidades há algumas consagradas em vários pontos da diocese, a título pessoal, sem inserção comunitária.

2. Significado desta diversidade de vida consagrada

Para quem considera este fenómeno de fora, pode perguntar-se sobre o porquê desta diversidade e opinar que a sua missão e testemunho seria mais forte e significativo, se constituissem um só grupo empenhado no apostolado diocesano. É a tentação da uniformidade, que não aprecia a beleza da diversidade de pessoas e dons na sociedade e ainda menos na Igreja. Embora ao longo dos séculos algumas formas de vida consagrada e institutos tenham desaparecido, perdido o seu significado histórico e geográfico, no entanto as comunidades de vida consagrada são significativas por aquilo que são e pela consagração radical da vida dos seus membros na Igreja, e não tanto por aquilo que fazem.




Quem vive a sua configuração com Cristo, acontecida no batismo, dessa forma radical, é sempre significativo e altamente útil na Igreja, pois testemunha a dimensão do sentido último da vida humana, cuja realização plena acontece apenas na eternidade. É aquilo a que se costuma chamar a dimensão escatológica da vida cristã. Estas pessoas têm um sentido apurado da dignidade da pessoa humana e são extremamente úteis numa sociedade utilitarista e funcional, em que as pessoas são apenas números, máquinas de trabalho e descartáveis.

Uma Igreja e uma diocese sem estes diversos estilos de vida consagrada, chamados carismas ou dons da graça de Deus, é pobre e sem futuro. Por isso a nossa diocese está muito grata aos consagrados e consagradas presentes entre nós, quer tornar visível esta gratidão e implora de Deus as vocações para estas comunidades e muitas outras espalhadas pelo mundo.

Mas as vocações não surgirão, se não as implorarmos e se os próprios consagrados não viverem o seu presente com paixão e alegria. Assim poderemos abraçar o futuro com esperança, confiantes que, mesmo atravessando um deserto demográfico na Europa, o Espírito de Deus continua a fazer surgir até das pedras os filhos e filhas de Deus, que se consagram radicalmente a Deus no serviço material e espiritual aos irmãos mais necessitados.

† António Vitalino, Bispo de Beja
26JAN2015


Órfãos de pai, mas não de mãe

1. Filhos abandonados

Frequentemente encontramos pessoas na rua e em instituições que não conhecem os seus progenitores ou não querem falar deles. Os motivos deste corte efetivo e afetivo são vários. Mas os efeitos no desenvolvimento destas pessoas são perniciosos para os próprios e para a sociedade. Sempre me tocou e questionou uma afirmação atribuída a Deus no livro do profeta Isaías: mesmo que uma mãe esqueça o filho que amamenta, Eu não vos esquecerei. Esta certeza do amor de Deus, mais forte e fiel que o de uma mãe, consola-me, mas gostaria que ela se tornasse a certeza de muita gente e sobretudo das pessoas esquecidas por suas mães. Não é fácil transmitir esta certeza da fé, sobretudo a quem não fez a experiência do amor materno.



Apesar da consolação da fé, não podemos deixar de nos comover e chorar ao ver crianças a sofrer por causa do abandono e da insensibilidade de muitos adultos, que abusam delas, as escravizam e até usam como armadilhas para a guerra e como bombas suicidas. O Papa Francisco, no encontro com os jovens nas Filipinas, ficou comovido com a pergunta de uma criança sobre o sofrimento das crianças e disse que a nossa melhor resposta é chorar com quem sofre. Disse mesmo que precisamos de aprender a chorar, sinal de que temos um coração sensível e compassivo com o sofrimento do próximo.

Alguns pedagogos falam de uma sociedade sem pai, mas para muitos não há pai nem mãe. São órfãos dos dois progenitores. Como superar este abandono? Em vez de procurar respostas demagógicas e de incriminar os pais insensíveis, que não desempenham a sua principal missão humanitária, será mais importante tornarmo-nos todos pais e mães ternos e acolhedores, disponibilizando-nos como pais adoptivos logo nos primeiros meses das crianças abandonadas, em vez de as institucionalizar.

2. Migrantes e refugiados entre os mais pobres

No dia 18 de janeiro, sempre no domingo a seguir ao Batismo do Senhor, a Igreja celebrou o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado. Em Portugal a Obra Católica das Migrações em conjunto com a Caritas Portuguesa, a Agência Ecclesia e este ano também com o Departamento Nacional da Juventude realizou umas jornadas sociopastorais sobre a mobilidade. Na Casa de Santa Maria Rafaela, em Palmela, juntou uma centena de pessoas vindas das várias dioceses e também alguns agentes pastorais a trabalhar entre os migrantes, a fim de refletir sobre este setor e ajudar a sociedade a conviver com estes novos concidadãos, considerando-os um enriquecimento em todas as dimensões da vida, e não um problema desestabilizador.



Na sua mensagem para este dia o Papa Francisco diz que os migrantes e refugiados se contam entre os mais pobres da sociedade, apesar de muitos terem grande sucesso nos países de destino. Embora a emigração seja um direito, no entanto a grande maioria dos migrantes deixa a sua terra, amigos e familiares por falta de condições de vida digna no país de origem, esperando ser bem sucedidos na viagem de transição e no país de destino.

Por isso o Papa apela para sermos uma Igreja sem fronteiras e mãe de todos, com tudo o que isto implica nas igrejas de origem e de destino dos migrantes, atenção uns aos outros, uma cultura de acolhimento, de solidariedade e entre-ajuda, sobretudo nos primeiros tempos, de modo que ninguém se sinta como intruso, indesejável ou descartável, agravando assim o seu sofrimento.

À globalização do fenómeno migratório será desejável corresponder com a globalização da caridade e da solidariedade, ajudando os países menos desenvolvidos a fixar os seus cidadãos, oferecendo-lhes condições de vida e de trabalho digno, para sustentar e educar as suas famílias, de modo a evitar a necessidade de emigrar.

Neste apelo do Papa manifesta-se a natureza de uma Igreja sem fronteiras e mãe de todos os povos, preocupada com o bem de todos, sem aceção de pessoas. Oxalá este modo de ser Igreja se torne cada vez mais uma realidade também entre nós.

† António Vitalino, Bispo de Beja
21JAN2015



Quebras da confiança

1. Ruturas ou acidentes de caminho?

Na última nota abordei a necessidade de restabelecer a confiança em todas as relações, para que a paz e o progresso sejam possíveis. Mas logo acontecem os atos de terrorismo em França e continuam em muitos outros continentes, mas sem o mesmo frenesim mediático. Tratar-se-á de ruturas que impossibilitam o restabelecimento da confiança ou simplesmente de acidentes de percurso, que vem fortalecer os construtores da paz?




No evangelho Jesus proclama felizes os construtores da paz, porque alcançarão o Reino de Deus. Apesar disso os seus seguidores têm sentido muitas dificuldades em seguir esse caminho e muitos foram e são vítimas de violência. Penso nos mártires ao longo dos séculos, mas também nos de hoje, em muitas partes do mundo.

No entanto, são estas vítimas que vão mudando as mentalidades e atitudes, fazendo ver e crer que nunca haverá paz imposta pelo medo das armas e da violência, mas somente pelo dom da vida, o perdão e o amor, mesmo aos inimigos, como proclama Jesus. Os milhões de pessoas que sairam à rua para dizer não à violência e sim à liberdade de expressão e de religião dão força a estes valores fundamentais das sociedades democráticas.

Mas a liberdade de pensar, de expressão e de ação não são valores absolutos, isolados de tantos outros também importantes, como o respeito pela dignidade das pessoas, com as suas opiniões e crenças, o seu direito a ser tratadas com igualdade e como irmãos. Em nenhum caso podemos fazer justiça pelas próprias mãos ou tirar a vida a quem nos ofende.

No entanto, as autoridades devem estar atentas e não permitir que os seus cidadãos, sejam maioria ou minoria, sejam maltratados ou difamados. O código moral dos cristãos é claro sobre como proceder. Mas quem não tem esses princípios deve respeitar, pelo menos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Por isso nem todos somos Charlies nem terroristas, embora sejamos contra todos os atos de violência.

No meio das manifestações de solidariedade para com todas as vítimas, temos de fazer o nosso exame de consciência, pessoal e coletivo, e bater com a mão no peito, pois todos temos culpas nas situações de violência que vão acontecendo no nosso planeta.

A exploração de pessoas e povos, as desigualdades crescentes, a corrupção e o enriquecimento ilícito, as injustiças, o desemprego, o esbanjamento, o desrespeito pelas convicções étnicas e religiosas das pessoas, tudo isso cria ambientes de racismo e xenofobia, que fomenta a desconfiança e a violência. E nisto são tão culpados os fundamentalistas religiosos como os ideólogos ateus militantes, os indiferentes perante o mal do próximo e os que apenas falam mal dos outros e nada fazem para construir a paz.

2. O dom da fraternidade verdadeira

Com a celebração do Batismo de Jesus por João Batista terminou a quadra festiva de Natal e Jesus deu início à sua vida pública, anunciando o Reino de Deus. Jesus colocou-se na fila dos pecadores para receber o batismo de João e santificar as águas, para que por elas e pelo Espírito Santo pudéssemos renascer, ou seja, nascer de novo, para vivermos nas pegadas de Jesus Cristo.



Este nascimento é um dom da fé através da mediação da Igreja. No Batismo pedimos à Igreja a vida eterna, ou seja, uma vida onde já não é o homem mortal do pecado que reina, mas Jesus Cristo com o seu Espírito. Este renascimento é um dom, mas é preciso deixar crescer a criança nova em nós, não apenas em estatura, mas também em sabedoria e graça, ao modo de Jesus, que passou no mundo fazendo o bem, perdoando, ensinando e entregando a vida por todos.

No Batismo nasce o homem para a fraternidade universal, mas precisa de alimento para percorrer o caminho até à maturidade. O essencial desse alimento também é dom através da comunidade dos discípulos de Jesus, pois falta-nos a capacidade para nos auto-abastecermos.

Na génese do homem novo há sempre essa colaboração entre o humano e o divino. As misturas feitas só a partir de nós mesmos tornam-se remédios sem simbiose dos elementos. Não têm energia para nos fazer crescer até à maturidade do homem segundo Jesus Cristo. Um simples voluntarismo ou moralismo não fomentam o homem fraterno ao modo de Jesus, livre e alegre na entrega de si mesmo para libertação do egoísmo, que faz secar a seiva da vida e da relação fraterna entre todos.

Estes pensamentos sobre o batismo como raiz da vida nova de relações fraternas, baseadas no amor, que nos liberta do medo, da opressão e da tristeza surgem ao ver tantos milhões a marchar contra a violência, o terrorismo e pela liberdade de expressão e de religião. Isso é importante, mas creio que ficamos a meio caminho, se não renascermos para o ideal de homem que ama, perdoa e reza pelo seu inimigo, que se põe ao serviço, sobretudo dos mais frágeis, como o fez Jesus Cristo.

Neste mundo de senhores, de desiguais, de acepção de pessoas, de injustiças, de corrupção, de indiferença perante o sofrimento de muitos milhões, de opressão e escravidão, será difícil eliminar a violência. Por isso é bom acordar e começar a caminhar. Mas não tenhamos ilusões. Temos um longo caminho a percorrer. Precisamos de alimentar a esperança, acolhendo com docilidade e gratidão os dons que a fé nos transmite.

† António Vitalino, Bispo de Beja

12JAN2015
Recuperar a confiança

1. Regenerar as relações fundamentais

A época de Natal e o início de ano civil, mesmo para quem não professa nenhuma confissão cristã, desperta nas pessoas e grupos da nossa sociedade uma grande nostalgia pelo agregado familiar e abre feridas profundas nas pessoas quando faltam manifestações de proximidade e afeto entre os seus membros.

Nas diversas festas de Natal em que participei, em lares e instituições, vi muitas lágrimas nas faces rugosas de vários idosos, ou porque perderam recentemente alguém da família ou porque não tiveram nenhuma manifestação de carinho por parte dos seus familiares.



Isto fez-me refletir uma vez mais sobre a estrutura relacional do ser humano, apesar da afirmação crescente do individualismo e relativismo reinante no mundo atual. Há em todos os seres, e muito especialmente nos humanos, uma necessidade de múltiplas relações, que exigem muita atenção e cuidado para não serem defraudadas e levarem a uma desilusão profunda e à solidão insuportável. Isto significa que precisamos de curar muitas feridas e recuperar a confiança uns nos outros, nas instituições sociais e na própria família.

Como curar estas feridas, para estabelecer um clima de confiança à nossa volta? Sem pretensão de apresentar nesta breve nota todos os remédios, vou apontar alguns, que nos podem ajudar a viver um ano com mais alegria e esperança, apesar das imensas dificuldades com que nos deparamos na construção do nosso bem estar.

2. Recuperar a dignidade própria e dos outros

Em primeiro lugar, temos de fazer o nosso exame de consciência, pois muitas das causas da desconfiança estão em nós mesmos e os remédios também ao nosso alcance. O Papa Francisco fez uma parte desse exame no discurso aos membros da Cúria do Vaticano, a 22 de dezembro, apontando um elenco de 15 pecados ou deficiências que nos impedem de exercer com alegria e eficiência a missão da Igreja, e não apenas os colaboradores do Papa.



Não os vou repetir aqui um a um, mas resumi-los nas palavras amor e paixão pelo bem das pessoas, à luz da nossa fé em Jesus Cristo, que se fez um de nós e se entregou para a salvação de todos. Se temos fé em Deus, não podemos deixar de amar os nossos irmãos. De contrário, estamos a mentir, a dizer uma coisa e a fazer outra, temos dupla personalidade ou somos esquizofrénicos ou então sofremos de alzheimer, perdemos a memória do que somos, da nossa dignidade.

Em segundo lugar, temos de reconhecer que sofremos de algumas deficiências, não somos perfeitos, nem sequer no cumprimento dos dez mandamentos, um código fundamental para a convivência hum ana pacífica. Mas também não desesperamos, porque nos sabemos amados por Deus apesar do nosso pecado e temos a possibilidade de implorar o perdão e de o conceder a quem nos ofendeu, como rezamos no Pai Nosso, a oração que Jesus ensinou aos apóstolos.

Em terceiro lugar, embora conscientes da liberdade do ser humano, que o pode fazer enveredar por caminhos de desencontro e também conhececedores dos meandros da nossa justiça, que tem dificuldade em desvendar o mistério do mal e da corrupção, não deixamos de acreditar nos homens de boa vontade e de criar laços de confiança, para que o trigo se fortaleça em relação ao joio, o bem prevaleça sobre o mal e a nossa sociedade se torne mais humana, justa, fraterna, livre e solidária.

Felicito as pessoas que fazem voluntariado nas nossas comunidades e instituições, dando uma parte do seu tempo e das suas vidas a visitar, apoiar e consolar aqueles que vivem sós e esquecidos da sociedade, isolados nas casas, nos hospitais, nos lares, nas prisões, etc. São os reis magos dos nossos tempos, guiados pela estrela do amor de Deus, que os leva até às grutas daqueles para quem não há lugar nas nossas estalagens.

Neste sentido desejo um bom e abençoado ano a todos os diocesanos e pedimos a todos para que se deem as mãos, fazendo cada um o que está ao seu alcance para o bem daqueles com quem vivemos, sobretudo dos mais débeis.

Assim construimos a nova sociedade da confiança e também a nossa diocese em sínodo.

† António Vitalino, Bispo de Beja,

05JAN2015

Caminhos de renovação

Tradição e renovação

No dia 25 de Novembro do corrente ano a Unesco declarou o Cante Alentejano património imaterial da humanidade. Parabéns aos alentejanos por terem sabido conservar viva a sua cultura musical, expressão profunda e bela do seu modo de comunicar e conviver em sociedade. A influência do poder comercial e mediático dos modernos cantores de outros países não conseguiu abafar a alma alentejana. Mas espero que a crise demográfica também não o consiga, relegando o cante para os ambientes museológicos e retirando-o das igrejas, das festas populares, da rua e das tabernas.




A tradição cultural, o clima e a natureza fazem parte da identidade de um povo. No panorama nacional o Alentejo ainda é das poucas zonas onde a tradição se mantem. Mas sabemos que sem evolução e renovação não será possível ter futuro, no cante e em todas as expressões da vida de um povo. Por isso será necessário estudar esta expressão cultural, torná-la presente nas escolas elementares e superiores, para que não degenere.

Este reconhecimento trouxe honra aos alentejanos, mas também compromissos em ordem à preservação deste património. Quem se encarrega disso, contando com a colaboração de todos? Autarquias, escolas, igrejas, festivais, clubes? Aqui está uma área em que todos somos corresponsáveis e devemos colaborar. E não é favor nenhum, pois o cante encanta, junta, une e fraterniza as pessoas e os ambientes. Da nossa parte tudo faremos para que o cante na sua versão religiosa continue a ecoar nas nossas igrejas e procissões.

Mas muito mais coisas, modos de ser, valores e ideais precisamos de transmitir às novas gerações e adequá-las aos novos tempos. O Papa Francisco, nos discursos feitos recentemente no Conselho da Europa e no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, desafiava estas instituições importantes na construção de uma Europa de paz e de progresso a não ficarem apenas pela dimensão económica e financeira da comunidade europeia, mas a colocarem no centro das suas decisões a dignidade da pessoa humana nas suas relações multipolares e transversais.

A verdade, a solidariedade, a subsidariedade, o bem comum, o nós integral das pessoas em sociedade são património da doutrina social da Igreja sobre o qual os fundadores da Europa quiseram construir uma Europa que resolve os seus conflitos e divergências pelo encontro das pessoas e dos povos através do diálogo e não pela violência das armas, pelo consenso e entreajuda.

Este rico património da Europa, criado ao longo de séculos, cultivado pelos filósofos, escritores, artistas, igreja, escolas e universidades, expresso de muitos modos, tem raízes profundas que é preciso conhecer e amar, para que daí surjam novos dinamismos de desenvolvimento global para toda a humanidade, sem marginalizar ninguém, pessoa, grupo ou povo, nem reduzindo as pessoas a números ou objetos descartáveis. A visão bíblica e cristã do mundo contem potencialidades benéficas para a construção duma nova civilização de paz e de amor, como se exprimia o bem-aventurado Papa Paulo VI.

Olhando para os obreiros de um mundo novo

No alvoroço de notícias, comentários e opiniões acerca do estado da nossa sociedade podemos ser levados a esquecer as pessoas concretas, que vivem ao nosso lado e os acontecimentos do dia a dia, que fazem parte do nosso quotidiano, que são os verdadeiros obreiros do mundo novo, mais justo, solidário e humano. Neste panorama os meios de comunicação dão realce a algumas personalidades e a determinados acontecimentos, como as palavras e gestos do Papa Francisco, alguns acontecimentos de violência causada por pessoas, grupos ou por fenómenos da natureza.

Da minha última semana quero hoje realçar algumas pessoas e instituições, que me lembraram quanto nós e a sociedade lhes devemos pelo seu testemunho fiel de vidas dedicadas ao serviço de Deus e dos outros. Em primeiro lugar, a celebração de 90 anos de vida de dois sacerdotes da nossa diocese, os padres José Carvalho e Olavo, e dos 60 anos de sacerdócio deste último e também dos 60 anos da fundação do Carmelo de Beja.




Todos estes anos de vida e de consagração a Deus e à sociedade, através de muitas dificuldades e carências, mas sempre com a firmeza da fé, das convicções bem arraigadas e da sua dedicação generosa despertou em mim e em muitos outros grande gratidão e admiração. No meio da instabilidade dos tempos que correm, estas pessoas e instituições são um património precioso, que nos ajudou a chegar até aqui e que precisa de ser continuado, mas com novos dinamismos, para não retrocedermos no caminho da nossa humanização e da construção do povo de Deus.

No ano da vida consagrada queremos aprender a ser gratos por tantos dons que Deus nos concedeu nas pessoas e comunidades dos mais diversos institutos de vidas totalmente dedicadas a Deus e ao serviço dos mais débeis da nossa sociedade. Sem gratidão não seremos beneficiados com novos dons de vidas consagradas.

No fim do verão deixou-nos a comunidade das Irmãs do Bom Pastor, que estavam em Colos há vários anos. Na próxima semana vai deixar a nossa diocese a comunidade das Irmãs Doroteias, que estavam em Montes Velhos, S. João de Negrilhos e que durante muitos anos foram preciosa ajuda ao trabalho pastoral, social e educativo lançado Padre Olavo.

Felizmente recebemos também este verão uma comunidade brasileira dos Servos de Maria do Coração de Jesus, que agora residem em Colos e na solenidade da Imaculada Conceição, dia 8 de dezembro, ordenamos 3 diáconos para o serviço na diocese.



Sem cair numa avaliação pessimista a partir da quantidade de comunidades e pessoas consagradas, temos de reconhecer que as palavras evangélicas de Jesus mantêm a sua atualidade: A seara é grande e os operários são poucos, pedi ao Senhor da Messe que envie operários para a sua messe (Mt 9, 37-38).Este pedido faço a todos os diocesanos. Peçamos ao Senhor mensageiros para a messe alentejana, mas também não esqueçamos de ser gratos por todos aqueles que desgastaram as suas vidas ao serviço deste povo.

† António Vitalino, Bispo de Beja
09DEZ2014
Caminhar sem destino?

Becos sem saída
Na semana passada assistimos, a nível do país e internacionalmente, a alguns acontecimentos inesperados e que nos devem fazer pensar, se todos terão alguma saída ou serão becos sem sentido e sem saída. Muitos jogam na lotaria, mas nem todos têm sorte. Apenas alguns. Outros sem jogarem, conseguem o mesmo objetivo, mas prejudicando outros, que se recusam enveredar pelos caminhos da corrupção. Admiro as pessoas que, escolhidas democraticamente para assumir responsabilidades públicas, não se deixam corromper, resistindo à tentação de enriquecer rapidamente. Nem todos são iguais, dizia um político esta semana. Ainda bem, digo eu. Mas será que o nosso povo vê a diferença e continua a acreditar na boa fé das pessoas que estão à frente dos destinos do país e do mundo?


Um caminho de esperança percorreu na semana passada o nosso Papa Francisco, indo à Turquia, país de maioria islâmica, mas onde os cristãos são tolerados e sobretudo indo a Constantinopola, hoje Istambul, outrora capital oriental do império romano, onde reside o Patriarca ecuménico da Igreja Ortodoxa, agora Bartolomeu I, a qual no século XI se separou do Papa de Roma. Com o Patriarca Bartolomeu I o Papa Francisco celebrou a festa do apóstolo Santo André, irmão de S. Pedro, o qual foi o primeiro a seguir Jesus, apontado por João Batista como o Messias esperado.

Foram muitos os sinais e as palavras do Papa apelando à reconciliação de todos os cristãos, que acreditam em Jesus Cristo e de todos os que acreditam em Deus, como é o caso dos islamitas. Num dos seus discursos o Papa disse que ninguém pode invocar a Deus para justificar atos de violência e muito menos a Jesus Cristo, que não resistiu com meios ou atitudes agressivas à violência que os malfeitores usaram para com Ele e até pediu perdão para quem O crucificou. Infelizmente, muitos ainda não ouviram ou não seguem estas palavras e este testemunho. Diariamente muitos são mortos, violentados, expatriados, expropriados dos seus bens por causa da sua fé, como está a acontecer no autoproclamado estado islâmico e em muitas outras partes do mundo.

Apesar de tudo isto os cristãos não desistem de proclamar e testemunhar a sua fé. No domingo, dia 30 de novembro e festa de Santo André, demos início ao ano da Igreja com o tempo do Advento, que significa vinda e chegada. Vinda d’Aquele que há-de vir para julgar os vivos e os mortos segundo a justiça de Deus e chegada d’Aquele que já veio na pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que assumiu a nossa condição humana, com todas as suas fraquezas e debilidades, nascendo em Belém e dando a vida por nós na Cruz. Os cristãos são chamados a caminhar na esperança, sofrendo e penando como todos os outros, sobretudo os oprimidos e marginalizados, mas na confiança de que o seu caminho tem sentido e por isso não desistem de continuar a sua peregrinação até à Jerusalém celeste, como se expressa o último livro da Bíblia, o Apocalipse.

Chamados a ser samaritanos no caminho



No dia 8 de Dezembro, às 16,00 horas, em Beja, vão ser ordenados três diáconos (Amadeu Lino, Godfrey Okeke e Luís Marques), três jovens vindos de longe e que há vários anos estão a fazer o seu discernimento vocacional na nossa diocese. Vão receber o primeiro grau do sacramento da ordem, o diaconado, instituído pelos Apóstolos em Jerusalém, para atender os mais frágeis da comunidade, os órfãos, as viúvas, os doentes.

Por este sacramento eles são escolhidos e capacitados para esse serviço, mas também toda a Igreja e a diocese é chamada a ter presente este caminho seguido por Jesus e os Apóstolos. Não basta anunciar a todos a boa nova de Jesus, morto e ressuscitado, e celebrar em comunidade a nossa fé. É preciso estar atentos aos mais débeis, em primeiro lugar nas nossas comunidades, de modo que ninguém seja esquecido ou passe necessidade. Temos de ir até às periferias geográficas e existenciais, como se exprime o Papa Francisco, e pelos caminhos proceder como o bom samaritano, que socorre a pessoa ferida na berma do caminho, apesar de pertencer a uma tribo historicamente inimiga.

Vivemos numa sociedade democrática e com instituições e serviços para socorrer os cidadãos nas suas fragilidades. Mas isto não dispensa a nossa atenção às pessoas, cujas necessidades são de vária ordem, e nem sempre as instituições dão resposta. Respeitando a autonomia das respostas civis, sociais e culturais e também a liberdade das pessoas, temos de estar atentos a quem vive no nosso meio ou se cruza nos nossos caminhos, indo ao seu encontro, saudando-os e escutando-os, mesmo quando não entendemos a sua linguagem, para sermos outros bons samaritanos e ajudarmos as pessoas a caminhar, sempre na esperança de alcançar a meta, a realização plena das suas vidas.

Para os cristãos já começou a realização dessa esperança no Natal de Jesus, que celebraremos daqui a quatro semanas. Neste tempo do Advento e no Natal somos desafiados a caminhar, procurando fazer das nossas vidas um encontro com Deus, com os outros e com a natureza, num diálogo contínuo de amor, construindo assim uma história de amizade, até que Deus seja tudo em todos.

† António Vitalino,

Bispo de Beja - DEZ2014

Omissões e vocações


1. A culpa morreu solteira
Começo a minha nota desta semana por um dito frequente, mas pela negativa: a culpa não pode morrer solteira. Mas trata-se apenas da culpa do que fizemos mal ou também do que deveríamos fazer e não fizemos? Na verdade, ouvi esta semana alguém afirmar, diante de muitos notáveis da política, da economia, das empresas e da sociedade, de que somos também responsáveis pelo que não fizemos. Na confissão de culpas dos cristãos sempre se pediu perdão pelos pecados por pensamentos, palavras, obras e omissões. Por isso para quem assim se confessa pecador, nada de novo na afirmação feita perante notáveis. Mas na realidade isso raramente se põe em prática.

Sucedem-se os governos, mudam-se os responsáveis pela gestão dos serviços e empresas públicas, reconhecem-se erros cometidos ou falta de zelo, mas raramente alguém é chamado à responsabilidade. Por isso a culpa morre solteira e todos pagam por isso. Melhor dito, só não paga quem adiantou a sua recompensa imerecida. Assim não admira que muitos lutam pelo poder, pois, uma vez alcançado, já não precisam de se esforçar na luta pela realização do bem comum. Esta mentalidade não é de agora. Já na minha juventude havia muitas cunhas para o funcionalismo público devido à estabilidade e segurança do emprego. Num regime democrático, onde os governos e muitos serviços são sujeitos a sufrágio popular e concursos públicos, procuram-se arranjos rápidos e empregos para os amigos, sem critérios racionais e justos. Assim se vai criando uma sociedade arbitrária e do arranje-se quem puder.


Como inverter o caminho desta sociedade fundada no poder, no arranjinho, na corrupção? Temos de criar mecanismos baseados na verdade, na justiça, no amor ao bem comum. Os cristãos têm um imperativo de consciência que os leva a confessar as culpas e procurar emendar-se e reparar o mal feito. Este mês de novembro começou com a celebração de todos os santos, através dos quais ouvimos o apelo: sede santos porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo. E nele ouvimos a proclamação das bem-aventuranças: felizes os pobres, os que procuram a justiça e a paz, os que sofrem por amor do Reino dos Céus, porque será grande a sua recompensa. Faltam-nos testemunhas de santidade, para mudar o cenário da irresponsabilidade e da corrupção.

2. Mensageiros do Evangelho da alegria
É preciso criar uma mentalidade fundada na verdade, no amor ao próximo, na justiça, na responsabilidade pelo bem comum, mesmo que isso não traga vantagens pessoais, mas antes sofrimento e incompreensões. Se lermos a Bíblia e olharmos bem para o testemunho de vida de Jesus Cristo e dos Apóstolos, descobriremos vidas pautadas por valores e critérios do amor e da gratuidade, hoje muito esquecidos.

Quem os lembrará e tornará presentes pelo seu próprio estilo de vida? Os cristãos definem-se pelo seguimento e imitação de Cristo, até ao ponto de poderem exclamar com S. Paulo: Por Cristo, renunciei a todas as coisas e considerei tudo como lixo, para ganhar Cristo (Fil 3, 7-8).

Neste tempo do consumo egoísta, mais necessário se torna quem dê testemunho destes valores evangélicos. Mas só quem se deixa fascinar e apaixonar por Cristo, a pérola preciosa escondida aos olhos de muitos, é capaz de optar por uma vida consentânea com a de Cristo e viver com alegria a radicalidade do Evangelho das bem-aventuranças.



A semana de 9 a 16 de novembro é dedicada pela Igreja aos seminários, onde se formam os servidores da alegria do Evangelho, como diz o lema deste ano. Um discípulo de Cristo e muito menos um missionário do Evangelho não pode ser um triste e desiludido.

Por isso os seminários não podem educar pessoas sem ânimo, passivas e acomodadas. Os formadores nos seminários, apesar da escassez de seminaristas, não podem ser como mães-galinhas, protecionistas, sem exigências. O amor a Cristo e à humanidade tem de ser posto à prova, como o ouro no crisol. Jesus envia os seus apóstolos como ovelhas para o meio de lobos. Eles voltam alegres da missão e Jesus adverte-os para não se alegrarem pelos êxitos obtidos, mas pela certeza de que os seus nomes estão inscritos no Reino dos Céus. O cansaço da missão é compensado e superado pela alegria que anima o servidor do evangelho.

Muitas vezes, temos de nos recolher no silêncio da oração, confiantes no apelo do Mestre: Vinde a mim todos vós que andais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei... porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve (Mt 11, 28-30). Só quem vive a paixão por Cristo e pela humanidade, só quem sabe equilibrar o trabalho apostólico e a oração, experimenta a alegria de ser constituído servidor do Evangelho.

Olhando para o testemunho do Papa Francisco e de muitos missionários podemos sentir como é belo e necessário ao mundo este caminho iniciado no batismo, descoberto no chamamento para seguir Jesus e treinado ao longo dos anos de formação nos seminários. Por isso, nesta semana e de vez em quando ao longo do ano lembremos com gratidão os nossos seminaristas e os seus formadores, para que não falte ao mundo quem opta por ser testemunha e servidor da alegria do Evangelho.

Alegremo-nos também porque no dia 23 de novembro, nos Jerónimos, vai ser ordenado bispo aquele que me vem ajudar na missão e será o meu sucessor à frente desta diocese, D. João Marcos. Quem não for aos Jerónimos poderá no dia 30, às 16,00 horas, na igreja de Santa Maria, em Beja, participar na sua apresentação aos diocesanos.

Alegremo-nos ainda pelos três diáconos que vão ser ordenados no dia 8 de dezembro, na mesma igreja e à mesma hora. E rezemos pelos 3 seminaristas de Beja a estudar teologia em Évora e pelos dois candidatos ao seminário, a fazer o ano propedêutico em Faro. Oxalá todos venham a ser servidores do Evangelho da alegria.
† António Vitalino, Bispo de Beja
09/NOV2014





Mortos ou vivos?

1. O culto dos mortos
Estamos a chegar ao fim do mês de outubro, na tradição da Igreja conhecido como o mês do rosário, para entrarmos no mês de novembro, este conhecido como o mês dos finados. Embora o dia 1 seja dedicado a todos os santos, dia santo com obrigação de participar na missa, mas não feriado, um dos que a crise nos tirou, as pessoas sempre o aproveitaram para fazer as suas romagens aos cemitérios, onde jazem os seus entes queridos já falecidos, pois o dia a eles dedicado, o dia 2 de novembro, não é feriado nem dia santo. Este ano coincidem com o fim de semana e talvez ambos sejam aproveitados para a romagem aos cemitérios.


Na tradição cristã houve sempre um grande respeito pelos falecidos, pois o seu corpo inanimado é único e é a referência visível da pessoa que partiu. Embora hoje a Igreja católica aceite a cremação e até preveja uma bênção para esse ato, no entanto desde os princípios do cristianismo até aos nossos dias houve sempre um culto especial dos mortos. Recordemos as catacumbas no tempo do império romano e das perseguições aos cristãos e os sepultamentos nas igrejas, nos claustros dos conventos e nos adros das igrejas. Entre nós ficou famosa a revolução de Maria da Fonte, que se opunha ao sepultamento nos cemitérios, fora dos espaços de culto.

Estas mudanças vão contribuindo para uma profunda alteração da nossa relação com o sofrimento e a morte. Os idosos entregam-se aos lares, os doentes e moribundos aos hospitais e lares de cuidados continuados e os mortos são entregues às agências funerárias, aos tanatórios ou cemitérios em lugares retirados do normal convívio da sociedade. A pouco e pouco vamos perdendo a experiência da morte e do respeito e culto pelos mortos, o que vai provocando uma mudança cultural, como se a morte biológica não fizesse parte do sentido da nossa existência. Diz-se que os chineses não morrem. Qualquer dia dir-se-á o mesmo de nós, se não invertermos os nossos hábitos na relação com a morte biológica.

Nos tempos em que os falecidos eram velados nas casas onde viveram, a maior parte das vezes na grande família, as crianças começavam cedo a conviver com a fragilidade da vida, a doença e a dor, aprendendo a integrar a morte nas suas possibilidades de vida e de futuro.

Felizmente hoje temos os cuidados paliativos e não se justifica o suicídio assistido, que é outra forma de não aceitar a fragilidade do ser humano e não acreditar no ato de entrega ao criador ou naquilo que nos diz a fé cristã, de que a vida não acaba, apenas se transforma, ou, como diz S. Paulo, enquanto o ser visível vai acabando, vai-se formando o homem interior e invisível, faz-se a passagem do homem temporal para o eterno. Por isso a profissão de fé cristã termina com a afirmação da crença na ressurreição dos mortos, como Cristo, na vida eterna.

2. Os sistemas educativos em crise

Mas não é só a nossa relação com a morte e os falecidos que está em crise ou em mudança de paradigma. Também os sistemas educativos parecem estar mergulhados em profunda confusão de modelos, a começar pela família. Por motivos profissionais e económicos adia-se a maternidade e paternidade, até já se fala em congelar os óvulos e o esperma, para serem fecundados mais tarde, como se tudo fosse apenas um processo biológico, pondo de parte a importância dos fatores psicológicos e afetivos para a educação dos seres humanos.

A seguir vem a escola, que deveria ser uma ajuda aos pais e às crianças no processo da sua socialização e não apenas uma aprendizagem de conteúdos, cada vez mais na área da matemática e das ciências e menos na arte de pensar e se relacionar com pessoas da nossa cultura e de outras culturas linguísticas. Apenas o inglês, mais por motivos económicos que culturais, se salva nesta babel cultural.

A confusão torna-se mais gritante com a colocação dos professores, em que os critérios de humanidade e familiares pouco contam, mas principalmente as prioridades de carreira. Desafio as pessoas envolvidas, professores, sindicatos, assembleia da república e governo a fazerem um profundo estudo e diálogo da questão e só depois de tudo bem estudado e acordado, com programas informáticos experimentados e seguros, proceder às reformas necessárias do sistema educativo.

Ficou famoso o Maio de 68 com a contestação generalisada dos estudantes, não apenas da escola, mas também da sociedade. Antes que outra confusão aconteça temos de despertar para esse estudo profundo, a começar pelos políticos e outros responsáveis pela escola, universidades incluídas. A escola do livro único, do ensino unificado e exlusivamente académico estão ultrapassadas. As estruturas mentais e os interesses das pessoas e grupos são diversificados. Mas há alguns denominadores comuns que importa ter em conta e atender às diferentes necessidades da sociedade nacional e internacional, para orientar as áreas de ensino e de investigação do ensino superior.

Quando há problemas, criam-se comissões de estudo, entrega-se à judiciária ou à Procuradoria Geral da República para apurar responsabilidades. Por vezes isso significa simplesmente retirar as questões da participação pública e as conclusões e resultados desses estudos e investigações nunca se sabem. Com a educação não podemos fazer isso, pois interessa e diz respeito a todos. Qualquer comissão que se crie nesta área tem de ser mais para lançar perguntas e coligir as respostas em ordem ao futuro do nosso sistema educativo.

† António Vitalino, Bispo de Beja

27 de Outubro - 2014
Reanimar a família humana e eclesial



1. Futuro da família



Nestas últimas semanas a família andou na berlinda. Durante quinze dias o Sínodo extraordinário dos bispos em Roma, com cerca de 200 representantes de toda a Igreja Católica, debateram os problemas que afetam as famílias na atualidade, não apenas na sua relação com a Igreja, mas também com a sociedade e os diversos sistemas políticos. Mas a comunicação social salientou sobretudo questões periféricas, como a admissão aos sacramentos dos recasados depois de um casamento canónico e dos diversos tipos de uniões para além daquela que constitui o casamento católico, ou seja, a união de um homem e de uma mulher para constituir uma comunhão de vida.




O Papa Francisco pediu aos participantes para apresentarem os problemas reais que afetam as famílias e não belos discursos sobre as ideias de cada um acerca da família. Tratando-se de um Sínodo em dois tempos, que terminará em outubro de 2015, neste primeiro tempo interessava apresentar a realidade, em todas as suas facetas e problemáticas e sensibilizar a Igreja para o acolhimento de todos, sem aceção de pessoas ou exclusão de quem não vive de acordo com as normas jurídicas da Igreja no que concerne à família.



Apresentar caminhos de inclusão e não de rejeição é a missão da Igreja. Cristo traçou-nos metas e objetivos, mas deu-nos o exemplo do acolhimento, da misericórdia e do perdão. Praticar o evangelho da família na verdade e na caridade não é tarefa fácil e simples, que se pode delinear em princípios e normas universais e objetivas. Sem cair no relativismo de que tudo está certo, também não podemos apregoar uma rigidez insensível e aplicável em todas as situações na pastoral familiar.



Isto vai exigir muito dos pastores, em comunhão com o sucessor de Pedro, o Papa. Até à próxima sessão do Sínodo dos Bispos, em outubro de 2015, teremos que dialogar muito e sobretudo afinar as nossas sensibilidades e métodos na abordagem dos problemas que afetam as famílias. Mais que de normas precisamos de atenção mais concreta às pessoas que constituem a família e um coração sensível e acolhedor de todos na comunhão da Igreja, convictos de que sem família não há futuro para a sociedade e a Igreja.



2. A diocese de Beja prepara mudanças



Também na diocese de Beja temos um longo caminho a percorrer, para ajudar a construir a família eclesial. O acolhimento e inclusão das diversas sensibilidades e dons, para que todos contribuam para a construção da família humana, são tarefa e missão sempre a iniciar e recomeçar através de múltiplas atividades, seja na área da formação, da oração e do culto e principalmente na prática da caridade apostólica. Crescer na fé e na prática da caridade é o lema deste ano pastoral e desempre. Para isso precisamos de novos impulsos, pois todos corremos o perigo de estagnar e quem pára, recua.



Neste sentido felicito os organizadores de vários acontecimentos no último fim de semana: o centro diocesano missionário com a jornada diocesana das missões, em Aljustrel, a mensagem de Fátima com a sua assembleia diocesana, o caminho neo-catecumenal com o convívio das comunidades em Milfontes, etc.



Mas, numa diocese tão dispersa e com pouca percentagem de católicos comprometidos em movimentos e serviços, temos de coordenar melhor as nossas ações, para evitar uma maior dispersão. Felicito os organizadores da jornada missionária diocesana, que se empenharam em concretizar um programa rico de formação e animação, em Aljustrel. Muitas paróquias e movimentos estiveram ausentes e perderam uma grande oportunidade de se formar, conviver, divertir e orar. Espero que de futuro orientemos melhor as nossas agendas, pois o Dia Mundial das Missões só acontece uma vez por ano e toca uma dimensão essencial da vida da Igreja.



Com a vinda do Bispo Coadjutor, D. João Marcos, esperamos poder dar um forte impulso na construção da família diocesana. Neste fim de semana já esteve entre nós, para combinarmos alguns pormenores do início da sua missão como Bispo Coadjutor, e que num futuro próximo será o meu sucessor. Vai ser ordenado bispo na igreja dos Jerónimos, em Lisboa, no dia 23 de novembro, pelas 16,00 horas. Espero que uma forte delegação da diocese possa participar na ordenação do nosso futuro bispo, clero e leigos. Na semana seguinte virá para Beja e será apresentado solenemente à diocese na celebração do primeiro domingo do Advento, no dia 30 de novembro, pelas 17,00 horas, na igreja de Santa Maria da Feira.



Por este motivo e pelo atraso nas respostas de vários arciprestados sobre as reflexões sinodais, decidimos adiar a próxima assembleia sinodal, prevista para o dia 8 de novembro, para uma data em que já possamos contar com a sua presença, que nos ajudará a crescer na fé e na prática da caridade, citando o lema deste ano pastoral, sobretudo com o seu exemplo e sensibilidade de artista. Atendendo a muitos pedidos e após ver o seu local de residência, decidiu trazer com ele os seus pincéis de pintor, pois pela arte também se evangeliza. Entretanto continuamos a interceder por ele na nossa oração, preparando-nos para o acolher nesta família diocesana, sempre em construção.



† António Vitalino, Bispo de Beja

20 de Outubro de 2014

A família na pastoral da Igreja

1. Papel da família na sociedade e na Igreja


Diariamente somos confrontados com pessoas e grupos desajustados do meio em que vivem, que levantam problemas ambientais e de convivência social. Alguns vão parar aos estabelecimentos prisionais, a rebentar pelas costuras, excedendo largamente a sua capacidade física, para não falar das casas de reinserção, onde são acolhidos os delinquentes menores de idade. Embora as causas sejam múltiplas e diversas, no entanto poderemos facilmente encontrar alguns factores comuns em todos eles. Nesta breve nota vou apenas falar do papel da família, sempre a considerar nas problemáticas sociais e a ter em conta nos sistemas educativos e na ação da Igreja.

No dia 5 de outubro, em Portugal memória da implantação da República, começou em Roma um Sínodo Extraordinário sobre os desafios pastorais da família no contexto da evangelização, que foi precedido de um longo inquérito sobre a real situação da família em todas as dioceses do mundo, respondido por clérigos e leigos. O Papa Francisco, na homilia da Missa de abertura, disse aos participantes que não se tratava de fazer belos e inteligentes discursos sobre as suas ideias de família, mas de cuidar como pastores do bem da família, de acordo com o sonho e o desígnio de amor de Deus por ela.


Com os sinodais também nós refletimos sobre a família e, partindo das realidades que conhecemos e do sonho de Deus sobre a felicidade dos membros da família, queremos apontar algumas metas possíveis em ordem ao maior bem de todos.

Em primeiro lugar, gostaria de focar o sonho dos próprios noivos quando decidem unir as suas vidas. Com certeza que se trata de um sonho de amor, que pode encontrar muitos obstáculos na sua realização. Diz-se que a paixão cega, mas sem encantamento e paixão também não é possível unir a vida de duas pessoas. Por isso o tempo de namoro e a ajuda de casais e famílias experientes é importante, para que não fique frustrado um projeto tão nobre e significativo para o casal e a sociedade.

Da parte da Igreja é necessário ter equipas de casais, que ajudem a concretizar este projeto. Temos os Centros de Preparação para o Matrimónio (CPM), em vários lados (na nossa diocese, em Beja, Moura e Santiago do Cacém), que devem ser apoiados por todos nós, pois desempenham um papel muito importante na pastoral da família. É preciso divulgar bem os cursos programados ao longo do ano e não condescender com pressas de alguns noivos, pois a pressa é sempre má conselheira.

Em segundo lugar, temos de descobrir estratégias de acompanhamento dos casais, para que a paixão se transforme em amor autêntico, sempre preocupado com o bem do outro, e os obstáculos que vão aparecendo, uns vindos de dentro outros de fora, possam ser superados.

Em alguns lados já se constituiram gabinetes de apoio famíliar, com casais experientes em várias áreas. Para eles devemos orientar os casais e famílias com sinais de alguma crise, para que possam ser ajudados. Isto exige muita atenção de todos os agentes pastorais, para não deixar isso apenas aos advogados e psicólogos.

2. Sínodo sobre a família e os recasados

Temos de ser criativos e persistentes na evangelização, na inclusão de todas as gerações na sociedade e na ação da Igreja, pois costumes e ambientes arraigados não se mudam numa só geração. Embora todos sejamos muito ciosos da nossa liberdade individual, sabemos que as pessoas apenas se realizam no encontro de várias liberdades para buscar e promover o bem uns dos outros. Se ninguém deve viver para si mesmo, muito menos na família.

Infelizmente, nem sempre somos eficazes na preparação dos matrimónios nem no acompanhamento dos casais e das famílias. Cada vez mais nos deparamos com pessoas que já tentaram refazer o seu casamento uma ou mais vezes. Como proceder?



Sabemos que Deus não faz aceção de pessoas nem quer excluir ninguém do seu projeto de amor e de salvação. Também a Igreja deve assumir a mesma atitude. Mas como? Não pode ser tudo igual. Dizia Tolstoi que as famílias felizes são todas iguais, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Isto quer dizer que na nossa ação pastoral não podemos tratar todos da mesma maneira. Não se trata apenas de excluir os recasados da Comunhão e da missão de padrinhos. Há muita mais pastoral da Igreja para além da Comunhão e do Batismo.

A riqueza da graça de Deus, do seu amor salvífico, não se confina só a isso. O mesmo podemos dizer da missão da Igreja e do papel dos batizados na comunhão da Igreja. Os batizados recasados não são excluídos da Igreja nem estão excomungados. Continuam a ser fiéis que Deus quer salvar através da Igreja. Como proceder pastoralmente com estes fiéis?

Também nós aguardamos inspiração deste Sínodo, para enriquecer a nossa ação junto destes casais e destas famílias.

† António Vitalino, Bispo de Beja
07 Out2014



Convivência de gerações

1. Inclusão das gerações

No dia 28 de setembro o Papa Francisco convidou os avós a estar com ele, para celebrar o dia a eles dedicado, dizendo que também se incluia no seu número. Entre os convidados estava o Papa emérito, Bento XVI, a quem o Papa saudou com muito carinho, dizendo que sentia a sua presença no Vaticano como tendo em casa o avô sábio. Foi sobretudo emocionante o testemunho de dois idosos do Iraque, contando a brutalidade da guerra, o assassínio da família e a perda de todos os seus bens.


Foi mais um gesto do Papa Francisco, alertando para o valor e a dignidade da pessoa idosa, hoje muitas vezes tratada como algo descartável, esquecida pelos familiares mais novos nos hospitais, nas casas e nos lares, que devem ser casas e não prisões. Assim se perde a memória e as raízes da nossa história e se hipoteca o futuro da sociedade.

No dia 27 celebrámos o Dia Diocesano, com o qual queremos dar um forte impulso ao arranque do ano pastoral. Na nota de abertura do anuário, uma breve introdução ao plano pastoral, pedia a oração pela nomeação do Bispo Coadjutor, que virá a ser o meu sucessor na diocese.

A esse propósito alguém me perguntou, qual seria o meu papel quando o Coadjutor se tornasse o bispo diocesano. Respondi como escrevi na nota: importa que ele cresça e eu diminua, acrescentando e depois desapareça. Ao que o meu interlocutor respondeu: não deixaremos que desapareça, pois manteve consigo o seu antecessor, D. Manuel Falcão e tratou-o muito bem.

Embora eu saiba que nem todos somos iguais e santos como era D. Manuel Falcão, uma bênção para mim e a diocese, no entanto percebi que há muitas pessoas a compreender a importância dos mais velhos na nossa Igreja e na sociedade e avaliam a nossa missão também a partir do modo como tratamos os mais idosos.

Também nisto se verificou a verdade da expressão do Papa: sentia a segurança de ter em casa um avô sábio, experiente e confidente.
Todos, a começar por mim, temos de ajudar as nossas comunidades a integrar os idosos na ação apostólica, presbíteros incluídos, não os atirando para um lar ou residência sacerdotal, sem qualquer função na sociedade e na Igreja.
 
Foi particularmente comovente o testemunho humilde do Cónego Aparício, um dos presbíteros mais significativos na história da nossa diocese, que deixou uma das paróquias mais importantes da cidade de Beja, para assumir a paroquialidade de uma pequena aldeia nas imediações de Beja, a dois meses de completar oitenta anos de vida. Isto é concretizar aquilo que o Papa Francisco chama ir até às periferias geográficas e existenciais, para aí anunciar a boa nova do Evangelho e incluir nesta missão a sabedoria dos mais idosos.

2. Construção de comunidades inclusivas

Na semana passada escrevi que iria continuar as minhas reflexões sobre a construção de comunidades eclesiais abertas e significativas. Na brevidade desta nota quero indicar mais um aspeto desse processo, apontando o gesto papal e as experiências recentes na minha atividade episcopal.

Fez parte da agenda do Dia Diocesano a apresentação dos resultados da prática dominical de acordo com o recenseamento feito a 16 e 17 de novembro de 2013. A partir da constatação da baixa presença nas missas dominicais das pessoas entre os 15 e os 39 anos, perguntava-se aos representantes dos seis arciprestados como proceder para subir a percentagem da sua participação nas eucaristias dominicais, assim como a das pessoas do sexo masculino.

As respostas foram ricas e variadas. É preciso continuar a reflexão e encontrar medidas concretas de ação apostólica nas paróquias e movimentos. Avanço apenas uma de caráter geral. No Alentejo há uma mentalidade e tradição de que a Igreja e a religião são para as crianças e as mulheres, embora os homens respeitem a Igreja e sejam religiosos.

A minha sugestão é, para além de uma profunda conversão de todos nós, a mudança no estilo de evangelização e de colaboração daqueles que estão à frente das comunidades e dos que delas fazem parte, sobretudo crianças, mulheres e idosos. Ou seja, trabalhar mais a partir da família e incluir na nossa prática pastoral todas as gerações, com especial atenção para os mais frágeis, crianças e idosos. Encontrar modos de envolver mais a família na catequese, na celebração dos sacramentos, na vivência da caridade, embora compreendendo a menor disponibilidade das pessoas que estão na vida ativa.


Recordo-me do trabalho paroquial da minha juventude sacerdotal. Como as famílias foram interpeladas quando organizamos melhor a catequese paroquial, criamos grupos musicais com os jovens que andavam pelas ruas de viola às costas e se reuniam em pequenos grupos, da visita aos idosos e doentes que ficavam em casa enquanto os filhos saíam de manhã cedo para o trabalho e regressavam a casa muito tarde.

Isto foi chamando a atenção das pessoas na vida ativa, a ponto de a encarregada da catequese no Patriarcado, chamada para fazer a preparação das famílias para a festa da primeira comunhão das crianças, ter exclamado admirada: até que enfim encontro uma paróquia onde as crianças têm pais e não somente mães.

Temos de ser criativos e persistentes na evangelização, na inclusão de todas as gerações na sociedade e na ação da Igreja, pois costumes e ambientes arraigados não se mudam numa só geração.

† António Vitalino, Bispo de Beja
29 Setembro2014




Coesão na diversidade

1. Convivência na diferença

A diferença incomoda muita gente. Ao longo da história da humanidade tem havido muitas guerras e discórdias por causa das diferenças entre pessoas, raças, cores, sistemas políticos e ideológicos, religiões, etc., para não mencionar a ambição do poder, do domínio e do ter.

No domingo passado o Papa Francisco visitou um pequeno país onde prima a diferença em todos os sentidos, mas as pessoas vivem em paz, procuram o consenso em vista do bem comum. Estou-me a referir à Albânia, um país pequeno, com a superfície do Alentejo, mas montanhoso, onde católicos, muçulmanos, ortodoxos e ateus convivem pacíficamente.



No mesmo dia realizou-se um referendo na Escócia sobre a independência ou não em relação ao Reino Unido. E na Catalunha continua acesa a discussão sobre a sua separação da Espanha, na Madeira há vozes de maior autonomia em relação ao Continente, para não falar dos horrores perpetrados pelos que querem construir um estado islâmico, só de fiéis do Islão.

Enquanto o movimento da construção de uma comunidade europeia alargada, democrática, forte, com igualdade de direitos e deveres de todos os cidadãos parecia irreversível, surgem outras tendências que parecem contrárias à primeira, nascida dos escombros da segunda guerra mundial, para que isso nunca mais acontecesse.

Como interpretar estes novos acontecimentos? Serão ou não obstáculo à construção da comunidade europeia? Serão manifestações de egoísmo nacionalista ou compatíveis com um futuro de paz na Europa? Vão acentuar-se as desigualdades entre países e regiões ricas e pobres ou serão factores de progresso e crescimento para todos? Estas e muitas outras interrogações vêem à nossa mente, para as quais não encontramos respostas, mas não podemos cruzar os braços como espectadores impassíveis.

Neste ambiente de tendências contraditórias é importante apontar algum bom exemplo. Olhando para a Albânia, para o seu povo, pobre, jovem, unido apesar das diferenças étnicas e religiosas, sentimos que não é a riqueza nem a diversidade a causa da coesão desse povo.

Depois de uma longa ditadura do comunismo ateu militante, com muitos mártires da fé e das convicções democráticas, o povo albanês descobriu o valor da liberdade e da fraternidade, vivendo a sua identidade étnica e religiosa no respeito pela diversidade dos credos de cada um. O ter e o poder afastam as pessoas umas das outras e criam invejas, rivalidades e desigualdades.

Este modelo de convivência pacífica na diferença e no respeito pelas convicções e credos de cada pessoa, famílias e comunidades, poderá ajudar-nos a construir uma Europa das pessoas e povos diferentes, mas iguais na dignidade da pessoa humana.

2. Construção de comunidades abertas

Estamos a arrancar um novo ano pastoral na diocese de Beja. As escolas já abriram as portas, embora ainda com muitas falhas na colocação de professores e no encerramento de escolas com menos de 21 alunos nas aldeias. Também os tribunais se tornaram mais distantes e não apenas pela avaria no sistema informático. Espero que na vida da igreja diocesana não aconteça o mesmo, embora saiba que também temos muitas fragilidades.


No entanto temos os meios da medicina espiritual ao nosso alcance: a participação de todos os batizados na construção das nossas comunidades locais, com o tempo e as capacidades de que estamos dotados; a compreensão, atenção e reconciliação entre todos os membros desta igreja e sobretudo a abertura àqueles que fazem parte do nosso meio, aldeias e cidades, mas não frequentam diretamente os nossos locais de culto.

Como conseguir criar comunidades fraternas e atentas a todos os que vivem ao nosso lado? Aqui reside a criatividade pastoral, não apenas do clero, mas de todos os colaboradores na missão.

Como convocamos e convidamos as pessoas para esta missão, seja para os conselhos económicos e pastorais das paróquias, seja para as direções dos centros sociais, seja para a formação de crianças e adultos, seja para os diferentes ministérios na celebração da fé (leitores, cantores, acólitos, ministros extraordinários da comunhão, pessoas para o acolhimento, visitadores de doentes e pobres), etc?

Os métodos podem ser diferentes, mas se não atingimos os objetivos pretendidos, temos de ver onde falhamos e talvez mudar. Não empurrar as dificuldades para os outros, mas estar conscientes de que o maior obstáculo pode estar em nós mesmos. Este é o caminho para a mudança, partindo duma revisão de vida em que impera a criatividade da caridade.

Outros passos teremos de dar para construir pelo menos núcleos, que são fermento de comunidades fraternas, abertas e inclusivas ao modo de Jesus Cristo, que disse: minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática.

Sobre isso poderemos refletir noutra altura, agradecendo sugestões, para as partilhar em benefício de todos.

† António Vitalino, Bispo de Beja,
23/SET/2014


Inclusão dos frágeis

1. Dimensão social da evangelização

Na semana passada tiveram lugar em Fátima as Jornadas anuais da Pastoral Social, desta vez sob o tema da dimensão social da evangelização, aprofundando e descrevendo concretizações do quarto capítulo da Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, que tem por título esse preciso tema. Foram comunicações interessantes, que nos colocaram muitas interrogações sobre a qualidade da nossa fé e apostolado. Mas creio que estes números do documento papal tocam os fundamentos da missão da Igreja, porque nos apresentam a originalidade da vida de Cristo e do seu Evangelho.

Na Sinagoga de Nazaré Jesus apresentou a missão do Messias, que era Ele próprio, repetindo a profecia de Isaías: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor.»(Lc 4, 18-19).

Creio que ninguém tem dúvidas acerca do sentido destas palavras e de como Jesus as cumpriu na sua pessoa e na sua vida. A continuação desta missão no tempo e no espaço, através da história e do universo, foi confiada aos apóstolos e discípulos de todos os tempos e lugares. Estamos conscientes das suas exigências e da debilidade dos discípulos. Mas não podemos desculpar-nos com falsa apologética ou malabarismos exegéticos. Por isso todos os discípulos têm obrigação de fazer o exame de consciência, bater com a mão no peito por causa dos seus pecados, por pensamentos, palavras, acções ou omissões e aperfeiçoar o seu modo de seguir o Mestre e cumprir a missão que lhes foi confiada.

A fé sem obras é morta, diz o apóstolo S. Tiago. Mas também as obras sem fé, sem a confiança no Senhor da Messe e a disponibilidade em segui-Lo, amando-nos uns aos outros como Ele nos amou, fazendo uns aos outros como Ele fez, pode cair num puro activismo, que atribui tudo ao discípulo, como se pudesse mudar o mundo e resolver todos os seus problemas apenas a partir de si mesmo e das suas obras. Isto seria orgulho da nossa parte e mentira acerca da nossa dignidade e dos outros. Não somos máquinas ou activistas de alguma ideologia, mas filhos de Deus e irmãos uns dos outros, chamados a olhar e cuidar uns dos outros.

Em poucas palavras o Papa Francisco o diz no início do capítulo IV: Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo. Ora isto tem repercussões comunitárias e sociais, como o Papa explica em todo este capítulo, que acentua muitas dimensões da vida e missão da Igreja, muitas delas esquecidas ou até mesmo deturpadas. Conscientes de todas as dimensões da nossa vida cristã e da vocação a que fomos chamados, temos de exclamar como S. Paulo:Ai de mim se não evangelizar.

2. Colocar os frágeis no centro

Todos somos tentados em pensar e agir como senhores e não como servos dos outros, sobretudo dos mais pobres, como se estes apenas fossem sujeitos passivos das nossas boas acções e nada nos tivessem a dar. Recordo os testemunhos de Jean Vanier, fundador da Arca, ou seja, de comunidades de e com deficientes, em que ele nos diz quanto recebe destes, muito mais do que aquilo que lhes dá. O mesmo podemos ler nos muitos livros de Henri Nouwen, um teólogo e psicólogo holandês, que mudou a sua vida de conferencista famoso quando se encontrou com as comunidades da Arca e nelas viveu. Muito conhecido é o seu livro O Regresso do Filho Pródigo.


 Isto acentua o Papa Francisco na Exortação que estamos a comentar. Nos números 186 a 216 ele explica como deve ser a inclusão social dos pobres, que devem ser protagonistas da missão da Igreja. Olhando para Jesus Cristo, para o seu amor preferencial pelos pobres e pecadores, muito temos a aprender e mudar na nossa evangelização. Quando isto começar a acontecer, então poderemos falar da primavera da Igreja, tão sonhada pelo bom Papa S. João XXIII e que o Concílio Vaticano II e os Papas seus sucessores procuraram implementar na vida da Igreja. É isto também que eu sonho e convido todos a sonhar comigo, a arregaçar as mangas e organizar a diocese, as paróquias e serviços neste sentido.

Ao iniciarmos um novo ano pastoral, em que desejamos acentuar a dimensão da caridade na vida da Igreja, agradeço a todos os que com generosidade se esforçam por colaborar na nobre e exigente missão da Igreja diocesana, agora envolvida num Sínodo e exorto todos os colaboradores a unirem esforços no sentido de uma evangelização mais integral das comunidades, famílias e ambientes da nossa diocese, tendo em conta a grave crise de fé, de valores e de falta de trabalho que nos afecta.

Temos um longo caminho a percorrer, mas não desanimamos. Assim Deus nos ajude e Nossa Senhora das Dores, dia em que escrevo esta nota, interceda por nós. Na próxima semana, dia 22, teremos o encontro do clero. Vamos nomear novos arciprestes, escolher um novo Conselho Presbiteral, decidir algumas orientações e acções para o próximo ano pastoral e apresentá-las à diocese no Dia Diocesano, a 27 do corrente mês, altura em que nomearemos a nova Direcção da Caritas Diocesana. Estamos gratos a todos aqueles que animaram a diocese na área sociocaritativa durante estes últimos anos e pedimos a bênção de Deus e colaboração dos diocesanos com a nova equipa.

† António Vitalino, Bispo de Beja
15 de Setembro/2014




Reconciliar e perdoar

1. Sentinelas da paz

Semanas atrás o Papa Francisco visitou duas regiões do planeta que desde há muitos anos vivem em permanente tensão, onde, de vez em quando, rebenta um conflito armado e há corte de relações. Refiro-me ao Médio Oriente, sobretudo Israel e Palestina e Extremo Oriente, a Coreia. Essas visitas, repletas de belos discursos e gestos simbólicos parecem ter sido inúteis. O Papa rotulou a situação mundial de início de uma guerra mundial aos pedaços. Para quem viveu os horrores da segunda guerra mundial e sofreu as suas terríveis consequências, deveria tentar tudo para que isso não se tornasse verdade.

Na missa deste último domingo as leituras bíblicas lembraram a missão dos cristãos e da Igreja a este respeito. O profeta Ezequiel dizia que devemos ser sentinelas que advertem os pecadores e transgressores da ordem, pois se não o fizermos somos corresponsáveis pelo mal que acontece e chamados a sofrer também o castigo.

Ao meditar este trecho bíblico, adveio-me o pensamento da inutilidade de tantas esforços e tentativas da Igreja e das organizações internacionais para estabelecer a paz entre os povos e dentro de alguns países profundamente divididos e envolvidos em guerras civis. Será que vamos às causas dos conflitos? Serão inúteis todos os esforços?

A Fundação Calouste Gulbenkian concedeu o prémio deste ano de 2014 a uma organização católica conhecida por Comunidade Santo Egídio, movimento nascido há 50 anos, durante o Concílio Vaticano II, no bairro romano de Trastevere e que hoje está espalhado em mais de 70 países, com cerca de 60 mil leigos empenhados em promover o diálogo ecuménico e em apoiar pessoas sem abrigo, idosos, crianças, presidiários, vítimas de guerras e imigrantes, assim como em mediar conflitos através do diálogo, da oração e do testemunho de vida comunitário.

É bem conhecido o seu papel na reconciliação dos movimentos armados na guerra civil em Moçambique. Divulgando os valores e princípios de um novo humanismo, esta comunidade acredita que a paz é possível. Aqui está uma maneira de ser sentinela da paz e da reconciliação entre os povos.

Por isso não desiste de acreditar e intervir em situações de conflito. Assim também o Papa Francisco. E nós, como vivemos e agimos face a tantas situações de conflito, a começar pelas nossas famílias e comunidades cristãs? As leituras deste domingo deram-nos matéria para alimentar as nossas convicções e actividades ao longo do ano e da vida. Na carta aos Romanos S. Paulo diz-nos que não devemos ficar a dever nada a ninguém, a não ser o amor de uns para com os outros, no qual consiste o pleno cumprimento dos mandamentos.

E nós, nas empresas, na sociedade, no Estado devemos tantos justos salários e remunerações, sinal de que o amor ao próximo e a justiça andam muito espezinhados.

Mesmo dentro das comunidades cristãs o evangelho de S. Mateus aponta-nos como devemos resolver os nossos conflitos, apenas desistindo quando o prevaricador não quer dar ouvidos a ninguém. Muitas vezes tornamos impossível o diálogo, começando por não ouvir o próprio nem ninguém. Assim é impossível o ministério da reconciliação.

2. Renovar os métodos da nossa pastoral

No sábado, de tarde, reuni com cristãos comprometidos vindos de todos os cantos da nossa diocese, em ordem a iniciar uma acção de formação para os qualificar melhor para a missão da Igreja. Temos de ser criativos na formação e acção dos nossos colaboradores. Pena que muitas vezes não disponibilizamos o nosso tempo para esta qualificação nem encontramos os meios mais adequados para o conseguir. Mas desistir é pecado.

Seremos responsabilizados pela omissão de sermos sentinelas e promotores de comunidades que se empenham na reconciliação das pessoas, das famílias e da sociedade. Muitas vezes ficamos no lamento pessimista de que tudo anda mal. Vemos o argueiro na vista dos outros, julgando-os precipitadamente e estamos cegos para as imensas possibilidades de nos convertermos em profetas da esperança, do amor, da justiça e da paz.

A grande renovação da Igreja, isto é, de nós, cristãos baptizados e dos frequentadores dos nossos templos, tem de começar pela conversão e renovação pessoal das nossas convicções e atitudes. E, a seguir, estarmos atentos a quem manifesta vontade em caminhar, mas se encontra perplexo, com dúvidas, só e desanimado. É preciso escutar, acompanhar, perguntar sobre as razões profundas do desânimo, iluminar os companheiros de caminho a partir da nossa fé e experiência e reconduzi-los à alegria da comunidade, que celebra e vive a realidade de Cristo ressuscitado. Isto nos mostra o trecho do evangelho de S. Lucas, cap. 24, conhecido por história dos discípulos de Emaús.


Este mesmo método de acção segue o Papa Francisco e na sua grande Exortação Apostólica Alegria do Evangelho propõe para toda a Igreja, cuja leitura e reflexão recomendo, não apenas alguns números semanalmente, como o faz o Notícias de Beja, mas como livro que se começa a ler sem intercalar muitos outros. Por hoje fico-me por aqui. Na nossa caminhada sinodal voltaremos ao assunto.

† António Vitalino, Bispo de Beja,

08 de Setembro de 2014



Recomeçar sem desvarios
1. Verão sem calor

Muita gente gosta do habitual calor de verão, porque se refresca nas águas do mar e dos rios, não tendo de sofrer o suor das ruas do interior, nas ocupações e trabalhos do dia a dia. Pois este ano aconteceu o contrário. Muita gente não aguentou o vento frio e regressou a casa antes do termo das férias. As nossas aldeias puderam celebrar as suas festas com maior participação das suas gentes



Os políticos e comentadores deram-nos algum descanso mental e as televisões andaram de terra em terra, em múltiplos festivais e concursos, dando quase a impressão que a crise e os problemas tinham chegado ao fim. Mas isso foi só aparência.

Pois, na verdade, a confusão e o descalabro do nosso sistema económico e financeiro continuam a surpreender políticos e analistas, como se verificou com o recente colapso do grupo Espírito Santo, que levou à criação de um novo banco, apelidado de bom, à custa de uma injecção enorme de dinheiros emprestados, e de um banco mau, que ficou com os créditos mal parados e os negócios fraudulentos e obscuros. Nem os mais entendidos sabem onde tudo isto vai parar. Oxalá os políticos de boa fé não tentem tapar a mente dos portugueses à caça dos votos nas próximas eleições.

Apesar da fuga de capitais, da impunidade aparente dos envolvidos nas trapalhadas económicas e financeiras, ainda há quem parece não ser afectado pela crise. O futebol continua a investir ou gastar milhões em negócios de jogadores e os dérbis enchem as bancadas dos grandes estádios. Outrora como hoje, o futebol parece fazer esquecer os reais problemas do país e das famílias.

No mês de Agosto as nossas aldeias encheram-se de festa e de pessoas de todas as idades, enquanto nos restantes meses do ano ficam quase desertas, sem a alegria das crianças e dos jovens, pois muitos casais novos e jovens emigraram para países com economias mais florescentes e carentes de mão de obra.

Na peregrinação a Fátima dos dias 12 e 13 de Agosto, muito frequentada por emigrantes, o presidente da celebração, D. António Francisco, bispo do Porto, dizia que a falta de trabalho desumaniza e coloca em perigo o futuro de um país. Por isso afirmava quePortugal não pode esquecer que sem os emigrantes de ontem não era o país que hoje é e sem os emigrantes de hoje não consegue vencer a crise que tem vivido.

2. Recomeçar unidade e com visão de futuro




No mês de setembro tudo tem de recomeçar, para não hipotecar o futuro do país e das instituições. Temos todos de arregaçar as mangas, coração em Deus e mãos ao trabalho, como se expressava Mons. Alves Brás, fundador das Cooperadoras da Família, que desde 1966 trabalham na Casa episcopal.
Também na Igreja, de acordo com a sua missão, isso deve acontecer. Mas qual é essa missão, quem e como se realiza?

Todos os anos, depois das férias escolares e das empresas, recomeçamos o exercício da nossa missão. Não apenas clero, mas todos os baptizados que querem viver de acordo com a sua dignidade. Esta desenvolve-se quando procuramos partilhar o que somos com outras pessoas. Mas fazemo-lo de acordo com algum plano definido e proposto pelos responsáveis de cada diocese e comunidade. Não somos macacos de imitação ou papagaios.

Temos as nossas convicções profundas, a nossa fé, proveniente do amor que o Espírito de Deus derramou nos nossos corações. De acordo com isso, tendo em conta os sinais dos tempos e as necessidades daqueles com quem vivemos, traçamos os nossos planos e definimos os programas, devidamente calendarizados, para, ao longo do ano, sabermos em que pontos devemos insistir.

A diocese de Beja, a realizar um sínodo, quer envolver todos os baptizados na responsabilidade missionária. Neste novo ano pastoral queremos reavivar a nossa adesão a Jesus Cristo e reanimar as nossas relações interpessoais e intercomunitárias. Por isso insistiremos no conhecimento de Jesus Cristo e da sua mensagem e aprofundaremos o percurso da iniciação cristã dos baptizados.

Um passo deste caminho de renovação é a criação da unidade pastoral de três paróquias da cidade de Beja: Santiago, Santa Maria e S. João Batista, com três párocos, sendo um deles o moderador da equipa, para que a Igreja seja de facto mistério de comunhão e participação, sinal da unidade para que toda a humanidade é chamada a caminhar.

Como isso se fará, está a ser refletido por várias pessoas, que farão uma apresentação das conclusões a que chegaram no encontro do clero, a 22 de Setembro e no Dia Diocesano, a 27 do mesmo mês. Desde já agradecemos sugestões, para que o nosso caminho como igreja diocesana seja cada vez mais sinodal: coeso e fruto da colaboração de todos.

Bom recomeço do ano em todas as dimensões da nossa vida pessoal, social e religiosa.
† António Vitalino, Bispo de Beja
02 de Setembro de 2014

GRATIDÃO E INCOMPREENSÕES



1. Gratidão aos pastores

Nos meses de Junho e Julho costuma haver em quase todas as dioceses ordenações de novos membros do clero, assim como jubileus de ordenação de muitos daqueles que há diversos anos dedicam as suas vidas à construção do Reino de Jesus Cristo.


Na nossa diocese, no dia 28 celebramos as bodas de diamante (60 anos) do sacerdócio dos padres Manuel Alves e José Pires Soares, na solene celebração de ordenação de dois novos presbíteros, na Sé de Beja. No dia 19 de Julho, na igreja matriz de Sines foram as bodas de ouro do Padre José Fernandes Pereira. Em algumas paróquias até celebram anualmente o dia da ordenação do seu pároco.

É belo ver as comunidades cristãs recordarem a data de ordenação do seu pároco e seria também muito bonito que o fizéssemos em relação aos diáconos permanentes, pois já vai havendo alguns na nossa diocese e preparamo-nos para formar mais alguns. Apesar de sabermos que a nossa vocação é uma escolha amorosa de Deus, que não depende da nossa santidade ou inteligência, e por isso agradecemos a Deus essa eleição e vivemos o nosso ministério em atitude missionária, no entanto todos gostamos de sentir que o povo de Deus, as comunidades que construimos e alimentamos espiritualmente apreciam e agradecem a nossa dedicação. Isso aumenta a nossa certeza de que estamos a ser úteis, se assim nos podemos exprimir em relação ao nosso múnus.

Algo semelhante acontece nas famílias. As esposas, os maridos, os pais, os filhos, os avós gostam de ouvir um sincero obrigado pelas inúmeras ações que praticam uns em relação aos outros, nem que seja um simples sorriso da criança ou um beijo. Quando isso acontece a vida familiar torna-se mais fácil, mesmo que imersa em grandes responsabilidades e trabalhos.

Em nome próprio e da diocese queria agradecer às paróquias, serviços e movimentos pelos diversos momentos de manifestações de gratidão em que tive ocasião de participar. Mesmo não tendo podido estar em todas, aqui deixo o meu agradecimento e apreço. Continuem.

2. Críticas e ingratidões

Infelizmente também acontece o contrário. É tradicional a nossa inclinação para a inveja, a má língua, a crítica destrutiva, a ingratidão. Temos dificuldade em aceitar que outros saibam mais do que nós e tenham razões para decidir e agir de modo diferente das nossas conveniências e interesses.

Embora na Igreja devamos construir comunidades conscientes e responsáveis e isto não acontece sem comunicação, formação, partilha fraterna e oração, não pode ser cada cabeça cada sentença, como se a verdade da nossa fé dependesse dos interesses de cada um. Só uma Igreja em profunda comunhão colegial, fiéis leigos, consagrados e clero é a Igreja de Jesus Cristo. Por isso temos necessidade de aprofundar sempre a nossa fé em Jesus Cristo, pois ninguém nasce ensinado e a fé nasce da escuta, da transmissão através de testemunhas.

Discernir as verdadeiras testemunhas da fé pertence ao Bispo com seus colaboradores. Isto implica uma atenção muito grande aos impulsos do Espírito Santo na vida da Igreja e requer de todos nós o pedido incessante em oração, para que Deus O envie sobre esta sua Igreja, que nós queremos servir.

Nas últimas semanas tenho corrido muitas paróquias a celebrar o sacramento do Crisma ou Confirmação, normalmente reservado ao Bispo e pelo qual temos a certeza que recebemos o Espírito Santo. Mas também verifico que nem todas as pessoas têm as mesmas disposições e preparação. Algumas vezes tenho de advertir os párocos e catequistas para fazerem um melhor discernimento, pois não é pelo facto de o Direito Canónico exigir os três sacramentos da iniciação cristã, a saber, baptismo, crisma e comunhão, para se gozar dos direitos de cristãos adultos na vida da Igreja, entre eles o direito de ser padrinho ou madrinha, que devemos admitir qualquer pessoa, sem a devida preparação e vontade de viver de acordo com a fé cristã.

Quando se diz às pessoas que não podem viver em união de facto e receber os sacramentos, somos criticados e até difamados, como se receber os sacramentos fosse um direito individual que não implica os outros sacramentos, entre eles o matrimónio e a confissão ou reconciliação. Não é pelo facto de sermos pecadores que os sacramentos nos são negados, mas sim por não reconhecermos o nosso pecado, não nos querermos converter e mudar. A isto se chama presunção de se salvar sem merecimentos e obstinação no pecado.


Por isso temos uma grande missão a cumprir, com muito amor, misericórdia e paciência, para não arrancar o trigo com o joio e as ervas daninhas. Nem sempre é fácil o cumprimento do múnus que nos está confiado, quer por fragilidade nossa, quer por incompreensão e debilidade da fé de quem nos pede os sacramentos. Mas água mole em pedra dura tanto dá até que fura, diz o ditado e constitui para a Igreja uma advertência para não desistir ou cruzar os braços.

† António Vitalino, Bispo de Beja
21JULHO2014

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