sexta-feira, 25 de novembro de 2016



Espaço, tempo, eternidade.

1 - Com o tempo do Advento, iniciamos um novo Ano Litúrgico. Como é sabido, advento significa vinda. Esperamos a vinda do Senhor que veio, que virá …e que vem! As quatro semanas do Advento servem também para nos prepararmos para a celebração do Natal do Senhor mas visam sobretudo relançar e sustentar a nossa esperança na sua segunda vinda acolhendo-O agora, no tempo da nossa vida terrena.




De facto, o mesmo Filho de Deus que, incarnando no seio da Virgem Maria assumiu a natureza humana para nos resgatar do poder da morte morrendo na cruz por nosso amor e ressuscitando, há-de vir no fim dos tempos para nos ressuscitar e para julgar os vivos e os mortos, e o seu reino não terá fim. Mas o tempo em que podemos recebê-l’O é hoje. É hoje que Ele quer habitar pela fé em nossos corações. Como o próprio Jesus nos lembra no evangelho deste domingo, precisamos de estar despertos e vigilantes, e muito atentos aos sinais que anunciam a sua vinda. A certeza da sua vinda é o motivo maior de alegria e de esperança para nós que O amamos e desejamos estar com Ele.

- Perpassa nas leituras deste domingo um entusiasmo festivo que nos convida a despertar do sono, a levantar-nos, a estar despertos e vigilantes, a andar dignamente, a caminhar à luz do Senhor, a subir ao monte do Senhor, a ir com alegria para a casa do Senhor. Cristo Jesus vem ao nosso encontro! Vamos esperá-lo! Vamos nós também ao seu encontro! Mas onde e como O encontraremos realmente?


A segunda leitura começa com estas palavras de S. Paulo: vós sabeis em que tempo estamos. Será que sabemos? Que tempo é o nosso? Que é o tempo? Como escreveu Santo Agostinho, se ninguém me pergunta, sei o que é o tempo. Mas se quiser responder a quem me pergunta, não sei (Conf. XI 14,17). Mil e quinhentos anos passados, continua a ser verdade esta sua afirmação. Não sabemos o que é o tempo e damo-nos mal com o tempo.

A nossa é a civilização do espaço, dos lugares e das coisas, a civilização da matéria. Somos especialistas em dominar o espaço pela ciência, pela velocidade, pela informação. Dominar o espaço inspira-nos segurança. No espaço, cada um de nós vê-se a si mesmo como o centro da paisagem. Mas a dimensão do tempo escapa-nos, assusta-nos e deixa-nos inseguros porque aí não somos o centro; aí vemo-nos como que levados por um rio de que desconhecemos a nascente e a foz e cuja corrente não podemos estancar. Há muita gente que não suporta o tic-tac do relógio. O passar das horas e dos dias lembra-nos que a morte se aproxima. E se a morte é apenas o fim em que tudo acaba e o nosso regresso ao pó de que fomos tirados, quem pode enfrentá-la com serenidade?

Como posso viver lucidamente o escoar do tempo da minha vida sabendo que a minha pessoa, tudo o que sou, vai ser destruído e reduzido a nada? Por isso se inventam passatempos e divertimentos para nos alhearmos da dimensão do tempo e esquecermos a nossa condição efémera. E tiramos a conclusão:comamos e bebamos, que amanhã morreremos! E assim, adormecidos ou anestesiados, não damos pela maravilha que é o tesouro da nossa existência e desbaratamo-lo vivendo sem sabedoria, como irracionais, entretidos a comer e a beber, a trabalhar e a dormir, a sofrer e a gozar sem darmos por nada! A nossa vida é uma série imensa de prodígios, um mistério sublime de amor que tantas vezes nos passa ao lado, e não damos por nada!

- Chegou a hora de nos levantarmos do sono! Morrendo na cruz por nosso amor e ressuscitando, Jesus Nosso Senhor destruiu a morte e fez brilhar a vida e a imortalidade. Quem n’Ele acredita e recebe o seu Espírito, torna-se participante da sua vitória e toda a sua vida fica iluminada por uma nova luz. De acordo com a promessa do Senhor, sabemos que, ao morrer, nos encontraremos com Ele. Que alegria e que felicidade vermos face a face o rosto glorioso d’Aquele que nos ama! E que maravilha vivermos, desde agora, libertos da angústia e do medo da morte!

Toca-nos viver os últimos tempos inaugurados pela morte e ressurreição de Jesus, o tempo da paciência de Deus, o tempo de fazer chegar o anúncio do evangelho a toda a criatura, o tempo de nos convertermos, de nos voltarmos para o Senhor, de caminharmos à luz do Senhor na fé, na esperança e na caridade.

Criados por Ele e para Ele, vivemos à luz do primeiro dia. Redimidos por Ele, iluminados pelo seu triunfo sobre a morte e participantes da nova criação, vivemos também à luz do oitavo dia, à luz da vida eterna. A luz da criação situa-nos no espaço deste mundo; a luz do oitavo dia ilumina, a partir do fim, o tempo que nos é dado viver aqui na terra. Cristo é a luz do primeiro e a do oitavo dia, a luz deste mundo e a luz do mundo que há-de vir. Por isso, só Ele pode dizer com toda a verdade: Eu sou a luz do mundo. Quem Me segue, não anda nas trevas (Jo. 8,12).

4 - Seguir Jesus Cristo é passar do espaço ao tempo e do tempo à eternidade. É transferir para Ele as nossas seguranças tornando-nos livres da escravidão do dinheiro, dos bens materiais e dos afetos. É desencalhar da materialidade do espaço e das coisas a frágil barca da nossa vida para vivermos, com o Senhor, a fluidez e os sobressaltos da dimensão do tempo, experimentando que Deus Se manifesta nos acontecimentos da nossa vida e da história do mundo. Assim aprendemos a santificar o tempo com a Liturgia das Horas e a celebrar o Dia do Senhor e as festas, edificando no tempo o templo espiritual, o corpo de Cristo Ressuscitado, para nos tornarmos praticantes do culto espiritual inaugurado por Ele na cruz. Vai sendo tempo!
+ J. Marcos,
Bispo de Beja

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