As comunidades cristãs são hoje desafiadas a ser mais missionárias que nunca, pois à sua volta há muitas pessoas e famílias que já não beberam essa semente com o leite materno. E se não o fizerem, elas mesmas acabarão por estiolar e fenecer.
A verdade liberta-nos, assim ouvimos dizer muitas vezes. Mas o que é a verdade e onde encontrá-la? A pergunta de Pilatos a Jesus ficou sem resposta. Também hoje fica muitas vezes sem resposta, ou, quando alguém pretende responder, dificilmente é bem sucedido, sobretudo se fica no jogo de palavras e conceitos.
Nesta breve nota vou tentar uma aproximação por outra via, a do testemunho pessoal, a do encontro com o outro e os outros, numa atitude de escuta, abertura, atenção e serviço de partilha de vida.
Hoje em dia, fala-se de comunicação e educação interactiva, de interagir, pois ninguém tem paciência para ser apenas ouvinte passivo, para ver apenas um programa ou ser aluno de um só professor. Já Sócrates, o filósofo grego, conhecedor da mente e das capacidades do ser humano, usava uma pedagogia interactiva, aquilo a que se convencionou chamar a maiêutica socrática, arte de comunicação que ajuda o aluno a dar à luz o conhecimento, a verdade, uma espécie de parto do saber.
Este método é ainda mais necessário para a abertura ao dom da fé e seu crescimento na vida do crente. Aqui se aplica a máxima que é dando que se recebe, que há mais felicidade em dar que em receber. Este princípio está bem explícito na mensagem papal para o Dia Mundial das Missões deste ano, que ocorreu a 23 de Outubro e tem por lema: assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio a vós (Jo 20, 21). Nela Bento XVI afirma que o anúncio incessante do Evangelho vivifica a Igreja, o seu fervor, o seu espírito apostólico, renova os seus métodos pastorais, a fim de que sejam cada mais apropriados às novas situações. E cita a encíclica do Papa João Paulo II, Redemptoris Missio, nº 2: A missão renova a Igreja, revigora a sua fé e identidade cristã, dá-lhe novo entusiasmo e novas motivações. É dando a fé que ela se fortalece.
Nestas palavras está detectada a raiz da frouxidão e indiferença da nossa vida cristã na Europa, no país, na diocese, nas paróquias e nas famílias. Muitos pais já não transmitem aos filhos os seus valores e muito menos a fé. Relegam essa responsabilidade para outros, mas sem os apoiar. Só marcam presença na igreja, na escola e noutros anfiteatros para interferir na sua ação por motivos de comodidade e não por convicções profundas. Assim nem educam nem deixam educar.
Há poucos dias uma mãe, sem o dom da fé cristã, comunicava-me o seu espanto pelo fato de uma das suas filhas ter pedido o baptismo como adulta, para si e uma filha. Alguém deve ter semeado o germe da fé no seu coração. As comunidades cristãs são hoje desafiadas a ser mais missionárias que nunca, pois à sua volta há muitas pessoas e famílias que já não beberam essa semente com o leite materno. E se não o fizerem, elas mesmas acabarão por estiolar e fenecer.
Todos discípulos e missionários
A Igreja é por sua natureza missionária (Vaticano II, Ad gentes, 2). Esta é a sua profunda identidade. Ela existe para evangelizar (Paulo VI, Evangelii nuntiandi 14). Esta missão envolve todos os baptizados, tudo e sempre. A fé é um dom a partilhar, uma boa notícia a comunicar, diz o Papa na mensagem.
Claro que cada um tem o seu modo de comunicar e de testemunhar. Podemos colaborar de muitas maneiras, com ritmos, tempos e espaços diversos, mas actuamos sempre como um corpo solidário, em que todos os membros são necessários para o bem de todo o organismo. A celebração do Dia Mundial das Missões vem lembrar-nos a urgência de todos colaborarmos na missão, na transmissão e testemunho da fé.
Atendendo à mutação cultural em que estamos envolvidos, a nível global, temos também de adaptar os nossos métodos missionários. Mas ninguém se pode excluir. Ai de nós se não evangelizarmos! Seremos culpados do desnorte das novas gerações, que têm dificuldade em descobrir as razões profundas e o sentido das suas vidas. Como diz a referida mensagem papal, o anúncio do Evangelho é o serviço mais precioso que a Igreja pode prestar à humanidade e a cada pessoa. Por isso convençamo-nos que ser missionários, testemunhas da fé, é um bem para nós próprios e para os outros.
A Igreja em Portugal está empenhada em repensar em conjunto a sua vida e missão. A simples mudança de estruturas não resolve o problema. Temos de descobrir novas linguagens, renovar os métodos de evangelização e comunicação e sobretudo apaixonarmo-nos pela pessoa de Jesus Cristo, para d’ Ele sermos testemunhas. Neste novo ano pastoral iremos tentar algumas novas experiências de missão na diocese. Mas não esqueçamos que todos temos de ser missionários.
† António Vitalino, Bispo de Beja
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