quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Carta de Mértola



“Deixa a tua terra...”

“Deixa a tua terra, a tua família, a casa de teu pai e vai para a terra que Eu te indicar”. Lemos estas palavras, no capítulo doze do Livro do Génesis.
Também deixei!... Também parti para uma terra que desconhecia, depois de um ano sabático turbulento quanto à saúde. Por Deus e com os cuidados humanos, retomei a caminhada na estrada da vida e do serviço dos irmãos.


Cheguei a Mértola na última tarde de Setembro. O sol ainda queimava. Baforento, silencioso, lavado e airoso, foi-se despedindo de nós, lá longe, na planura ondulada deste
Baixo Alentejo. A Vila, bem encrustada e alcandorada na rocha, continua a ser beijada pelo rio Guadiana, navegável até à foz.
Neste promontório basáltico e xistoso, formado há milhões de anos, moraram quatro civilizações, desde a Idade do Ferro até aos nossos dias!
Lida a “provisão” do senhor Bispo de Beja, na Eucaristia do domingo, dia 2 de Outubro, tomei posse das dez paróquias dispersas pelo concelho de Mértola. O número de fiéis pouco ultrapassava a centena. Não houve pompa nem multidão. Houve simplicidade, oração, palmas e circunstância. Esta nova missão pesa sobre mim e o meu colega, já mais conhecedor da realidade.
Neste concelho com 1.279 quilómetros quadrados, vivem 7.200 pessoas, segundo o censo de 2011, espalhadas por freguesias-paróquias, serros e serrinhas (montes e colinas). E vou pensando: A Vila da Caranguejeira, com 28 quilómetros quadrados, tem quase esta população!
Em Angola, na minha primeira missão, com 28 mil quilómetros quadrados, a população rondava este mesmo total!... Em 1969!
Tradicionalmente, todos são baptizados.
A prática religiosa como em tantas outras terras mais privilegiadas, fica um pouco distante do baptistério e da porta principal da igreja!...

Por onde começar? Para já, ver, estudar, conhecer e seguir as pegadas dos meus antecessores, que, animados pela coragem e dedicação, deixaram sinais positivos de evangelização e zelo pela conservação da casa de Deus - igrejas e capelas. Falo de templos construídos em 1758, 1791 e por aí adiante... No seu interior albergam pinturas em madeira e tela, colunas, capitéis, altares e imagens, tão antigas como a casa onde moram.
Encontrei um povo bom, acolhedor, generoso e com coração de carne, embora envelhecido.
Há catequistas, leitores, cantores, comissão para os assuntos económicos e muito bom voluntariado, sobretudo na Vila. Nas aldeias, embora dispersas e distantes, além do cemitério, há a pequena casa mortuária, propriedade da Junta de freguesia, saneamento, água ao domicílio, telefone, electricidade e internet; escolas primárias, umas abertas e outras fechadas, por falta de crianças; as ruas e largos têm piso asfaltado e com paralelos.
Podemos afirmar que, neste concelho, há boa qualidade de vida. Não há poluição sonora, nem fabril nem pressa. A limpeza é visível. A brancura das casas, também. O ar é puro. O horizonte é vasto, variado e rico. Aqui, todos nos damos os bons dias, boas tardes e boas noites, conhecidos ou desconhecidos.
Não há superfícies comerciais. Só o comércio a retalho. Isto é qualidade de vida!... As ligações rodoviárias, embora estreitas estão bem conservadas, asfaltadas e sinalizadas. Porque o trânsito é pouco, conseguimos palmilhar muitos quilómetros em pouco tempo.
A nível de pastoral, temos dois obstáculos a ultrapassar e a concretizar: Novo espaço para o culto e nova residência paroquial.

As celebrações fazem-se na antiga mesquita que, no século XII, se tornou espaço cristão. A residência, situada na parte histórica da Vila, não é de fácil acesso. A igreja matriz está em área arqueológica e turística, junto do castelo! Aqui residem os mortos!
Hoje, os vivos moram na parte nova da Vila, onde os romanos enterravam os seus mortos! Para sermos sinal e fermento, devemos estar onde está a massa humana!
Ou será que isto é mero sonho de quem chega de novo?
Pensando que a Vila, sobretudo a parte nova, é, hoje, o centro jurídico, comercial, escolar, médico, bancário, policial, feireiro, lúdico...também aqui, a igreja templo tem o seu papel de sinal, apelo, silêncio formação e celebração. É tempo de dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César. Pelo sonho é que vamos!... Aqui também há muitas sementes de fé, cobertas pela cinza do tempo! Que o Senhor da messe nos dê o discernimento necessário, para sabermos soprar sobre estas cinzas. Assim as brasas aceitem!....

João Mónico, Missionário Espiritano
(in Notícias de Beja)

Sem comentários:

Enviar um comentário