segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Testemunho missionário



O Natal vivido em missão
Olá gentes do meu Alentejo, caros colegas da equipa missionária diocesana de Beja e demais amigos. Escrevo-vos como prometi, para dar notícias deste Moçambique agora já tão “meu”. Quero primeiramente desejar-vos um bom ano de 2014, cheio de fé e de missão. Espero que tenham passado bem o Natal. O meu foi muito diferente do que é habitual, mas muito especial. Quero falar-vos destes tempos de festas, e do diferente que elas são em relação às nossas, apesar do mistério celebrado ser o mesmo.
Uma das questões que pesou e fez com que eu quisesse ficar um ano completo em experiência missionária foi a parte cultural, ou seja, conseguir viver todas as datas litúrgicas festivas com as diferenças e as particularidades desta cultura.
Já consegui vivenciar algumas delas. Apesar da equipa missionária em que estou integrada seja maioritariamente portuguesa, vivemos com o povo e como o povo estas festas.
O tempo de advento, tempo de espera e de preparação, foi um tempo de confissões e de catequeses. Foi ainda tempo de apresentar bem o grande acontecimento que é o Natal, pois aqui tende-se a passar um pouco como mais uma festa e não como “a festa” dos cristãos.

Formação e descoberta da vocação
Temos um centro paroquial cujo padroeiro é S. Francisco Xavier onde, anualmente, fazemos vários cursos com os catequistas, os animadores, as mamãs e os jovens. Neste tempo, fizemos dois cursos: um com as mamãs e outro, um encontro/retiro para jovens vocacionados da diocese.
O primeiro momento terminou no dia da Imaculada Conceição. Fizemos uma bonita procissão com a imagem de Nossa Senhora. Apesar de haver pouca gente com velas (é um gasto não necessário!) e de não haver luz pública (como já estamos habituados!), o fundamental estava bem presente: a nossa oração e a nossa fé. Fiquei com a esperança de conseguir, nesta altura, já ter aprendido a rezar a Avé Maria e o Pai Nosso em macua (língua local). Eles rezam tão depressa que ainda hoje não consigo repetir fielmente.
O segundo curso - um retiro para aqueles que já estão ou querem entrar para o seminário - também correu muito bem. Tiveram uma diversidade de temas e de formadores. Uma dos formadores fui eu. Falei-lhes sobre a vida e o testemunho do Papa Francisco e do que podemos aprender dele e com ele.

Celebrações natalícias
O Natal chegou. Preparámos uma cerimónia bem bonita para a missa do galo (que aqui foi por volta das 18h30), com dançarinas e batuques sempre a animar, e com violas que os nossos jovens já conseguem tocar. Tivemos alguns batismos (com uma bacia de plástico a fazer de pia batismal e uma metade de uma casca de coco a fazer de concha para deitar a água benta). Aqui também têm um ritual: embora semelhante ao “nosso”, é bastante diferente e muito mais simples. É bom que assim seja: perde aquele sentido tão materialista que nós lhe damos e ganha um sentido mais simples, focado no essencial do batismo e não nos pormenores que o envolvem.
A ceia de natal, no centro paroquial, foi bem simples: a comida do povo em dia de festa (arroz e feijão). Tivemos mais sorte do que um dos nossos padres e um de um dos nossos seminaristas que foram passar a noite numa das comunidades: só comeram arroz e dormiram numa tenda.
No dia de Natal, fomos celebrar a uma das comunidades e também almoçámos lá: desta vez arroz e galinha. Tivemos uma ceia “mais nossa, mais tradicional” (um jantar simples e bonito) com direito a rabanadas, a bacalhau, troca de prendas e muita alegria.
O ano novo foi algo semelhante. Visto estarmos a comemorar o dia da paz e do nascimento de um novo ano, fomos dormir um pouco mais tarde, para passarmos a meia-noite todos juntos. Os jovens adolescentes da comunidade de Itoculo reuniram-se no Centro para uma festinha com direito a pipocas, papaia e até refrigerantes. Depois da meia-noite, juntei-me a eles, para dançar um pouco e festejar o ano novo.


Novidades e surpresas
Para além do tempo das festividades, a vida em Itoculo vai trazendo diariamente algumas surpresas, umas vezes, melhores, outras, piores. Hoje, 6 de Janeiro, é um dia deveras importante para uma menina muito especial que estava a ser seguida no Centro de nutrição. Esta menina tem uma família muito disfuncional. A mãe é doente mental. Quem a trazia ao Centro era sempre uma sua tia que terá 5 ou 6 anos. A menina já sofreu muito. Com 3 anos, ainda não anda e não fala porque não é estimulada para isso. Lá em casa, ninguém lhe liga nenhuma e está cheia de feridas no corpo. As Irmãs também não têm condições para fazer muito mais do que fazem, aliás, do que têm feito.
Precisávamos de um orfanato nosso aqui em Itoculo, pois há muitas situações como esta, muitos outros casos de crianças órfãs. Os orfanatos a quem costumamos recorrer estão a rebentar pelas costuras e já não é fácil aceitarem mais crianças. Esta menina teve sorte. A Irmã conseguiu que fosse aceite num orfanato e hoje, ao despedir-me dela, depois de rirmos e brincarmos um pouco, deixei-a no colo da Irmã. Ficou a chorar porque não me queria deixar. Foi a primeira vez que a vi a chorar. Ela é muito querida, sociável e inteligente. Estou certa que vai adaptar-se bem ao orfanato e vai evoluir depressa, mas hoje, ela estava a perceber que alguma coisa ia mudar na sua vida, ela pressentiu isso, via-se nos seus olhos. Mas é uma mudança boa, neste caso, muito boa!
Bom, se fosse para contar todos os casos e histórias que oiço e vejo diariamente não chegaria o tempo nem o papel. Então partilho convosco apenas esta história de hoje. Peço-vos para que, juntos, rezemos por esta menina.

Um novo projecto
Surgiu-me um novo desafio, desde a última vez que dei notícias. Juntamente com uma Irmã que há-de chegar para integrar a equipa missionária, vou ficar responsável pelo Lar Eugene Caps, (ao qual já tinha feito referência). Este ano irá acolher 50 meninas entre a 8ª e a 10ª classe. É, de facto, um grande desafio para mim. Conto com a vossa oração para que consiga orientar e aconselhar bem estas meninas durante este ano. Tenho muito trabalhinho para fazer. Por isso, me despeço, abraçando a todos. Unidos, e com um até breve, termino como comecei: um bom ano de 2014, cheio de fé e de missão!
Alexandra Martins – CDM/Beja,
em Missão em Itoculo – Nacala

Moçambique

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