quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Uma pergunta inquietante
(XXIX domingo do Tempo Comum)

A grande maioria dos que se dizem cristãos nesta nossa sociedade prisioneira da superficialidade e da exterioridade, não faz oração habitualmente. Porque não sabe, porque não sente necessidade, porque nunca recebeu uma iniciação cristã e o seu cristianismo é residual, porque não conhece Deus nem se conhece à sua luz. Há quem reze apenas para se sentir bem consigo mesmo, para encontrar equilíbrio emocional e auto confiança e assim poder enfrentar as dificuldades da vida. Acontece ainda, por estranho que pareça, que muitos adolescentes e jovens, depois de frequentarem durante anos uma catequese em que procurámos inculcar-lhes os valores cristãos, não adoram a Santíssima Trindade nem o Senhor Jesus Cristo, não amam a Igreja nem a Virgem Maria, não sabem de cor as orações básicas dos cristãos nem aprenderam a ser fiéis à oração diária e à missa dominical. Porquê?


No evangelho do próximo domingo, depois de uma parábola que nos incita a orar sempre, sem desanimar, escutamos, dirigida a cada um de nós, uma pergunta muito vasta e inquietante lançada por Jesus: quando o Filho do Homem voltar, encontrará fé sobre a terra? Deixemo-la ressoar no silêncio do nosso coração. Qual espada de dois gumes, deixemo-la entrar até ao mais íntimo de nós mesmos.

Penso que esta pergunta é a ponta visível de um iceberg de interrogações como estas: que espécie de cristianismo é o nosso? Será que nós temos, à semelhança daquela viúva importuna da parábola, fome e sede da justiça que só Deus nos pode dar? Porque rezamos tão pouco? Temos consciência de que somos realmente débeis e constantemente assediados por um temível adversário que luta por nos perder?


Acreditamos que o Senhor é poderoso e fiel para cumprir as suas promessas e que o Espírito Santo, se O chamarmos, virá em ajuda da nossa fraqueza? Temos consciência da importância dessa justiça nova do Evangelho para cada um de nós e para a humanidade? Sabemos que essa justiça que brota do mistério da Cruz e consiste no relacionamento justo com Deus, com os outros e com as coisas, só é possível com a mediação do Salvador? Desejamos, mais que tudo, o tesouro dessa justiça que nos foi prometida ou desistimos dela e amesquinhamos a nossa vida resignando-nos e conformando-nos com os tortuosos esquemas deste mundo? Será que a nossa vida está dimensionada pela esperança da Vinda gloriosa do Senhor? Temos como certa a sua Vinda ou admitimo-la apenas como hipótese mais ou menos provável? Porque temos tanta dificuldade em dar testemunho de Cristo e em transmitir a fé às novas gerações?
Quando o Filho do Homem voltar, encontrará fé sobre a terra?

É como se Jesus nos dissesse: Eu fiz e faço a minha parte. Estais vós dispostos a fazer a vossa? Confiei-vos o talento da fé para o pordes a render, até que Eu venha. Quereis colaborar comigo para que a luz da Verdade e o fogo da Caridade iluminem e transformem a vida das pessoas e da humanidade? Mostrei-vos os meus pés de crucificado e de ressuscitado, marcados para sempre com as chagas dos cravos, por vosso amor. Desejo agora ver os vossos, dinamizados pelo mesmo amor, calçados com o zelo para anunciar ao mundo o evangelho da paz.

Será que reconheceis as minhas promessas como a “sorte grande” que vos saiu, ou continuais a viver miseravelmente, escravos dos elementos deste mundo, sem horizontes? Caminhais alegres na esperança da minha vinda, amando-a e anunciando-a, desejando-a e apressando-a? Sem a desejar ardentemente, ninguém pode perseverar na fé e na caridade, nem é verdadeiramente cristã a oração de quem pede a minha ajuda só para a vida presente. É na minha vinda gloriosa que Deus Pai vos fará justiça inteira contra o vosso adversário, vos saciará com a plenitude da sua misericórdia, vos salvará definitivamente e vos dará todos os bens prometidos, a vós que, por Mim e em Mim, vos tornastes seus filhos adotivos e herdeiros.

Hoje, neste tempo, a resposta a esta pergunta imensa de Jesus somos nós, é a nossa maneira de viver o cristianismo. Se somos cristãos de verdade, todos os nossos desejos se resumem neste único: estar com Cristo! A oração serve, antes de mais, para fortalecer esse desejo e assim não nos deixarmos seduzir pelo cenário passageiro deste mundo. De facto, sem esperar a sua vinda, sem ter os olhos levantados para o Senhor de Quem nos vem o auxílio, quem poderá manter-se firme nos recontros e batalhas que temos de travar no deserto da nossa vida a caminho da Terra Prometida, tal como nos lembra, na leitura do livro do Êxodo, Moisés em oração? Para manter os braços levantados para o Senhor e assim conseguir a vitória, ele foi ajudado por Aarão e Hur. Para que também nós perseveremos no combate da oração precisamos da comunidade cristã, precisamos do exemplo, da oração e da palavra dos nossos pastores.

Só adora Deus em espírito e verdade quem O ama, quem n’Ele espera e acredita; e só n’Ele acredita e espera quem, porque se reconhece amado por Ele, acolhe o anúncio da sua Palavra e se dispõe, por sua vez, a anunciá-la também. Impressiona a solenidade e a veemência das expressões com que S. Paulo, na 2ª leitura deste domingo, conjura o seu discípulo Timóteo a mergulhar nas Sagradas Escrituras e a proclamar a Palavra do Evangelho. Para os apóstolos era evidente que não haverá rio se a nascente não jorra.

Por isso mesmo, logo no início dos Atos dos Apóstolos, S. Pedro ensinou que o miolo do ministério apostólico é a oração e o ministério da Palavra. Delas, hoje como ontem e como sempre, depende, em grande parte, a vida e a missão da Igreja pelas quais o Filho do Homem, ao voltar, encontrará na terra aquela fé que se desenvolve na esperança, atua pela caridade e se comunica pela evangelização.
                                                                                                    + J. Marcos

Bispo Coadjutor de Beja

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