sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Padres Vicentinos: 25 Anos de Missão, em Santiago do Cacém

Pela porta das “Missões” entraram os Padres Vicentinos pelo Alentejo dentro. A sua presença nas terras alentejanas já vem de longe. Nos anos quarenta do século passado, o Bispo Soldado, D. José do Patrocínio Dias, convidou os filhos de S. Vicente de Paulo a percorrer a vasta área da sua Diocese como missionários itinerantes. Por ali andaram vários padres vicentinos. Palmilharam milhares de quilómetros ao longo do Litoral, anunciando o Evangelho e organizando as comunidades. Os anos de 1943 e 1944 foram de muita actividade partilhada com obreiros doutras famílias religiosas.
Seguiu-se um longo período de ausência. No final dos anos setenta, com o Bispo D. Manuel Falcão inicia-se uma outra temporada missionária no Alentejo: uma comunidade vicentina (1977), em Almodôvar, e a animação missionária, a partir de 1981, com os Padres M. Martins e João Maria. Não houve paróquia da diocese que não tivesse vivido uma Missão Popular, sendo muitas as equipas missionárias que trabalharam neste sector.
Em Almodôvar começa-se a programar o trabalho em moldes diferentes e pensa-se numa missão vicentina em todo o concelho (8 Paróquias e mais de 3 dezenas de Montes). Foi uma Missão preparada e realizada no outono-primavera de 1985-1986, uma experiência forte e válida para toda a Congregação. Almodôvar passou a ser a ponta avançada de toda a Província Portuguesa missionária.
Em Novembro de 1986, foi assinado com a Diocese um acordo de 3 anos no qual se previa a mudança de lugar. Demorou um pouco mais. Mértola foi uma primeira aposta, mas Santiago do Cacém, foi o lugar de destino da Comunidade.

Por Terras de Miróbriga
A vida é feita de mudanças. A Congregação da Missão tem um cariz de “itinerância da Missão”. E assim aconteceu. Em finais de Agosto de 1991, a nova equipa estava de malas aviadas para partir. Para trás ficava Almodôvar. Lá à frente estavam à espera as Paróquias de Santiago do Cacém, Abela, S. Bartolomeu, S. Francisco e Santa Cruz.
“Subiremos montanhas sagradas…” foi o cântico processional bem apropriado para quem realmente, a 1 de Setembro, subiu ao monte encimado por um Castelo e pela Igreja Matriz Santiago do Cacém. A Eucaristia foi presidida pelo P. António Teixeira, novo pároco, e concelebrada por Mons. Torrão, Cón. Ireneu, pároco cessante, e pelos Vigários paroquiais, Padres Fonseca Soares e Leitão dos Santos.
Proclamado o Evangelho, Mons. Torrão, em nome do Senhor Bispo de Beja, depois de saudar todos os presentes, apresentou o novo pároco e os seus colaboradores e leu os documentos apropriados para a tomada de posse. O novo pároco, depois de prestar o seu compromisso, apresentou-se a si mesmo como os demais colaboradores não esquecendo o Irmão Licínio.
A adaptação foi-se processando. Os movimentos foram surgindo. A história foi-se concretizando com o trabalho pastoral de cada dia. Ao fim de 3 anos, o Ir. Licínio partiu, em Missão, para Moçambique e o senhor Bispo solicitou à Comunidade para assumir a paroquialidade de S. Domingos e de Vale d’ Água.

Uma nova equipa, Missão Popular, ordenação presbiteral
A Comunidade foi renovada. Em Agosto de 1997, chegou o P. João Maria que, como pároco, preparou a cidade e as paróquias limítrofes para uma Missão Popular. O P. Leitão continuou o seu múnus de professor e juntou-se ao grupo, o Diác. Carlos César que, em tempos de estudante de Teologia, fizera aqui o estágio pastoral. Em 1999, houve festa grande em Santiago do Cacém: O Diác. César foi ordenado presbítero, por D. António Vitalino, ficando a fazer parte da comunidade, como o Padre novo. Outros confrades foram passando e, em 2000, o P. Armando Lopes partiu para a Casa do Pai, ficando sepultado no cemitério local.
Adivinhava-se nova mexida na Comunidade: O P. João Maria foi eleito Visitador (Provincial) e teve que partir. Os Padres Magalhães, Leitão, José Maria e Carlos César constituem a nova equipa. Outra equipa, e mais outra, e em Outubro de 2011, o P. Pedro Guimarães, moderador, e os Padres Agostinho e Azevedo, são apresentados como “párocos in sollidum”. A Comunidade vicentina de Santiago do Cacém assume a pastoral paroquial, a animação da pastoral missionária da Diocese e o serviço de capelania do Hospital Litoral Alentejano (HLA).

25 anos, a fazer o quê?
Sabemos que a gente das nossas paróquias não é muito praticante. É uma população predominantemente alentejana de origem e cultura. Por isso, pode-se dizer que o trabalho pastoral nesta zona foi e tem de ser essencialmente missionário.
Para servir esta gente no contexto do carisma vicentino, do nosso jeito próprio de evangelizar os mais próximos e os mais distantes, é imperativo “ir ao encontro” da gente e da cultura locais.
Fez e faz parte dos horizontes pastorais e do plano pastoral da Comunidade Vicentina de Santiago do Cacém ao longo destes 5 lustros: visitar as famílias e ir aos locais de encontro das gentes (escutar e auscultar); visitar os Lares/Centros de Dia, onde reside parte considerável dos idosos da terra e onde trabalham muitas pessoas; acompanhar os movimentos e serviços existentes, abrindo brechas para a entrada de sangue novo; apoiar e investir nas camadas jovens, na catequese, nos escuteiros, na JMV, procurando envolver as famílias; assegurar a boa preparação dos Sacramentos, fomentando a participação no CPB e no CPM; dar primazia às Famílias, animando as Equipas de Nossa Senhora e outros casais que nos procuram; dar tarefas e responsabilizar os leigos para uma participação activa; valorizar a preparação e celebração da Confirmação, desafiando os crismandos para um compromisso sério com Cristo e a Igreja (vida da paróquia); criar dinâmicas para a formação dos intervenientes na liturgia: leitores, acólitos, coros; apoiar e criar respostas concertadas de ajuda e apoio aos mais indefesos e sós, com grupo de visitadores e Conferências Vicentinas; reforçar a dimensão missionária não só fazendo e revitalizando as Missões realizadas na zona, mas também colaborar na animação missionária diocesana (2011-2015) e incrementar a presença junto dos doentes do HLA e seus familiares e junto dos profissionais da saúde.

Celebrações Jubilares
Ao longo dos anos os planos diocesanos apostaram na iniciação cristã como objectivo prioritário. É um caminho que a Comunidade Vicentina, com as várias equipas que trabalham em Santiago, tem procurado inculcar na acção pastoral ao longo destes 25 anos. Semear é o trabalho do missionário, estar junto e aberto aos mais pobres e sofredores, é desafio permanente. Levar todos e cada um à conversão de vida e à adesão a Jesus Cristo é tarefa principal de quem escolheu viver segundo o carisma de Vicente de Paulo. É um trabalho árduo, que exige dedicação, paciência e perseverança.
Temos consciência e sabemos que ainda há um longo caminho a percorrer. O sustento para a caminhada vem da Palavra de Deus, dos Sacramentos, da Oração e da Comunidade. Aí se encontra a força para vencer dificuldades e combater a rotina, ou mesmo, a inércia.
Quando os Padres Vicentinos celebram 25 anos de Missão em Santiago do Cacém e se preparam para viver os 400 anos de Carisma e os 300 anos de presença em Portugal, olhar para trás, diz-nos que muito foi feito. Olhando com olhos de ver, descobrimos que nem tudo foi bem feito. Resta-nos acreditar que podemos fazer mais e melhor, aceitando reptos e desafios do Ressuscitado, do Povo de Deus, da Igreja local e seus responsáveis e sendo fiéis ao carisma do nosso Santo fundador.


P. Agostinho Sousa, CM

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Uma pergunta inquietante
(XXIX domingo do Tempo Comum)

A grande maioria dos que se dizem cristãos nesta nossa sociedade prisioneira da superficialidade e da exterioridade, não faz oração habitualmente. Porque não sabe, porque não sente necessidade, porque nunca recebeu uma iniciação cristã e o seu cristianismo é residual, porque não conhece Deus nem se conhece à sua luz. Há quem reze apenas para se sentir bem consigo mesmo, para encontrar equilíbrio emocional e auto confiança e assim poder enfrentar as dificuldades da vida. Acontece ainda, por estranho que pareça, que muitos adolescentes e jovens, depois de frequentarem durante anos uma catequese em que procurámos inculcar-lhes os valores cristãos, não adoram a Santíssima Trindade nem o Senhor Jesus Cristo, não amam a Igreja nem a Virgem Maria, não sabem de cor as orações básicas dos cristãos nem aprenderam a ser fiéis à oração diária e à missa dominical. Porquê?


No evangelho do próximo domingo, depois de uma parábola que nos incita a orar sempre, sem desanimar, escutamos, dirigida a cada um de nós, uma pergunta muito vasta e inquietante lançada por Jesus: quando o Filho do Homem voltar, encontrará fé sobre a terra? Deixemo-la ressoar no silêncio do nosso coração. Qual espada de dois gumes, deixemo-la entrar até ao mais íntimo de nós mesmos.

Penso que esta pergunta é a ponta visível de um iceberg de interrogações como estas: que espécie de cristianismo é o nosso? Será que nós temos, à semelhança daquela viúva importuna da parábola, fome e sede da justiça que só Deus nos pode dar? Porque rezamos tão pouco? Temos consciência de que somos realmente débeis e constantemente assediados por um temível adversário que luta por nos perder?


Acreditamos que o Senhor é poderoso e fiel para cumprir as suas promessas e que o Espírito Santo, se O chamarmos, virá em ajuda da nossa fraqueza? Temos consciência da importância dessa justiça nova do Evangelho para cada um de nós e para a humanidade? Sabemos que essa justiça que brota do mistério da Cruz e consiste no relacionamento justo com Deus, com os outros e com as coisas, só é possível com a mediação do Salvador? Desejamos, mais que tudo, o tesouro dessa justiça que nos foi prometida ou desistimos dela e amesquinhamos a nossa vida resignando-nos e conformando-nos com os tortuosos esquemas deste mundo? Será que a nossa vida está dimensionada pela esperança da Vinda gloriosa do Senhor? Temos como certa a sua Vinda ou admitimo-la apenas como hipótese mais ou menos provável? Porque temos tanta dificuldade em dar testemunho de Cristo e em transmitir a fé às novas gerações?
Quando o Filho do Homem voltar, encontrará fé sobre a terra?

É como se Jesus nos dissesse: Eu fiz e faço a minha parte. Estais vós dispostos a fazer a vossa? Confiei-vos o talento da fé para o pordes a render, até que Eu venha. Quereis colaborar comigo para que a luz da Verdade e o fogo da Caridade iluminem e transformem a vida das pessoas e da humanidade? Mostrei-vos os meus pés de crucificado e de ressuscitado, marcados para sempre com as chagas dos cravos, por vosso amor. Desejo agora ver os vossos, dinamizados pelo mesmo amor, calçados com o zelo para anunciar ao mundo o evangelho da paz.

Será que reconheceis as minhas promessas como a “sorte grande” que vos saiu, ou continuais a viver miseravelmente, escravos dos elementos deste mundo, sem horizontes? Caminhais alegres na esperança da minha vinda, amando-a e anunciando-a, desejando-a e apressando-a? Sem a desejar ardentemente, ninguém pode perseverar na fé e na caridade, nem é verdadeiramente cristã a oração de quem pede a minha ajuda só para a vida presente. É na minha vinda gloriosa que Deus Pai vos fará justiça inteira contra o vosso adversário, vos saciará com a plenitude da sua misericórdia, vos salvará definitivamente e vos dará todos os bens prometidos, a vós que, por Mim e em Mim, vos tornastes seus filhos adotivos e herdeiros.

Hoje, neste tempo, a resposta a esta pergunta imensa de Jesus somos nós, é a nossa maneira de viver o cristianismo. Se somos cristãos de verdade, todos os nossos desejos se resumem neste único: estar com Cristo! A oração serve, antes de mais, para fortalecer esse desejo e assim não nos deixarmos seduzir pelo cenário passageiro deste mundo. De facto, sem esperar a sua vinda, sem ter os olhos levantados para o Senhor de Quem nos vem o auxílio, quem poderá manter-se firme nos recontros e batalhas que temos de travar no deserto da nossa vida a caminho da Terra Prometida, tal como nos lembra, na leitura do livro do Êxodo, Moisés em oração? Para manter os braços levantados para o Senhor e assim conseguir a vitória, ele foi ajudado por Aarão e Hur. Para que também nós perseveremos no combate da oração precisamos da comunidade cristã, precisamos do exemplo, da oração e da palavra dos nossos pastores.

Só adora Deus em espírito e verdade quem O ama, quem n’Ele espera e acredita; e só n’Ele acredita e espera quem, porque se reconhece amado por Ele, acolhe o anúncio da sua Palavra e se dispõe, por sua vez, a anunciá-la também. Impressiona a solenidade e a veemência das expressões com que S. Paulo, na 2ª leitura deste domingo, conjura o seu discípulo Timóteo a mergulhar nas Sagradas Escrituras e a proclamar a Palavra do Evangelho. Para os apóstolos era evidente que não haverá rio se a nascente não jorra.

Por isso mesmo, logo no início dos Atos dos Apóstolos, S. Pedro ensinou que o miolo do ministério apostólico é a oração e o ministério da Palavra. Delas, hoje como ontem e como sempre, depende, em grande parte, a vida e a missão da Igreja pelas quais o Filho do Homem, ao voltar, encontrará na terra aquela fé que se desenvolve na esperança, atua pela caridade e se comunica pela evangelização.
                                                                                                    + J. Marcos

Bispo Coadjutor de Beja

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Mensagem para o Dia Mundial das Missões

Testemunhas de misericórdia




 “Queridos irmãos e irmãs!
O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que a Igreja está a viver, proporciona uma luz particular também ao Dia Mundial das Missões de 2016: convida-nos a olhar a missão ad gentes como uma grande, imensa obra de misericórdia quer espiritual quer material. Com efeito, neste Dia Mundial das Missões, todos somos convidados a «sair», como discípulos missionários, pondo cada um a render os seus talentos, a sua criatividade, a sua sabedoria e experiência para levar a mensagem da ternura e compaixão de Deus à família humana inteira.
Em virtude do mandato missionário, a Igreja tem a peito quantos não conhecem o Evangelho, pois deseja que todos sejam salvos e cheguem a experimentar o amor do Senhor. Ela «tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho» (Bula Misericordiae Vultus, 12), e anunciá-la em todos os cantos da terra, até alcançar toda a mulher, homem, idoso, jovem e criança.
A misericórdia gera íntima alegria no coração do Pai, sempre que encontra cada criatura humana; desde o princípio, Ele dirige-Se amorosamente mesmo às mais vulneráveis, porque a sua grandeza e poder manifestam-se precisamente na capacidade de empatia com os mais pequenos, os descartados, os oprimidos (cf. Dt 4, 31; Sal 86, 15; 103, 8; 111, 4). É o Deus benigno, solícito, fiel; aproxima-Se de quem passa necessidade para estar perto de todos, sobretudo dos pobres; envolve-Se com ternura na realidade humana, tal como fariam um pai e uma mãe na vida dos seus filhos (cf. Jr 31, 20).

É ao ventre materno que alude o termo utilizado na Bíblia hebraica para dizer misericórdia: trata-se, pois, do amor duma mãe pelos filhos; filhos que ela amará sempre, em todas as circunstâncias suceda o que suceder, porque são fruto do seu ventre. Este é um aspeto essencial também do amor que Deus nutre por todos os seus filhos, especialmente pelos membros do povo que gerou e deseja criar e educar: perante as suas fragilidades e infidelidades, o seu íntimo comove-se e estremece de compaixão (cf. Os 11, 8). Mas Ele é misericordioso para com todos, o seu amor é para todos os povos e a sua ternura estende-se sobre todas as criaturas (cf. Sal 144, 8-9).



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