Chamados à verdadeira liberdade
Foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou. (…) Pela caridade, colocai-vos ao serviço uns dos outros (Gal.5,1.13).
Reivindicar a liberdade é algo natural no ser humano, mas edificar a caridade sobre o alicerce da liberdade é sobrenatural. Reduzir a liberdade à possibilidade de escolher isto ou aquilo e ao direito a ser egocêntrico tem consequências funestas. A nossa experiência democrática portuguesa mostra à evidência que a liberdade assim entendida e tomada como valor supremo, é um pórtico deslumbrante que, a breve trecho, nos encurrala num beco sem saída chamado solidão. Nunca houve neste país tanta liberdade nem tanta gente sozinha. Não condenemos ninguém, mas reconheçamos que a solidão, as mais das vezes, é fruto do egoísmo. A solidão, que tantas vezes se nos afigura como o espaço da nossa liberdade, transforma-se rapidamente na prisão onde encarceramos a nossa própria existência. A verdadeira liberdade é sobrenatural. Consiste em vivermos descentrados de nós próprios, em agirmos de acordo com a vontade de Deus, em ajustarmos a nossa vida ao desígnio de Deus a nosso respeito, em cumprirmos o programa que Deus gravou em cada um de nós. Quanto mais obedecermos à vontade de Deus, mais livres seremos.
Sabemos que Deus é amor e que apenas seremos felizes amando, dando a nossa vida. Experimentamos também que, pelo facto de sermos pecadores, não está ao nosso alcance podermos dar a nossa própria vida. Porque venceu a morte, a nossa própria morte, Jesus Cristo é o único que tem o poder de nos libertar da escravidão do egoísmo e de nos dar, pelo seu Espírito, o poder de amar, o poder de sermos livres em relação aos bens materiais e aos afetos para nos oferecermos a Ele e para O servirmos com amor, servindo os irmãos.
Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade (Gal.5,13). A verdadeira liberdade é uma flor que frutifica na caridade, no dar a vida, no amar o próximo, no servir os irmãos. A comunidade cristã é a estufa onde se cultiva esta planta rara e preciosa.
Fomos chamados. O discipulado cristão é o caminho e a aprendizagem da verdadeira liberdade. Se hoje somos cristãos é porque, de modos muito diversos, Jesus passou por cada um de nós e nos chamou. Como é que O vamos seguindo? Na leitura do 1º livro dos Reis vemos a pronta decisão com que Eliseu, naquele momento chave da sua vida, corta com o passado, com a família e com o trabalho para seguir Elias, pondo-se ao seu serviço. No Evangelho vemos Jesus repreender os apóstolos Tiago e João que O seguiam com sentimentos muito diferentes dos seus; vemo-l’O também desenganar um homem que num momento de entusiasmo se autopropõe para seu discípulo, sem que Ele o tenha chamado. Vemos ainda, com estupefação, como exige àqueles que chama o reconhecimento de que ser seu discípulo e anunciar o Reino de Deus é mais importante que cumprir a Lei dando assistência aos pais, e que ninguém O pode seguir olhando para trás, prisioneiro dos laços familiares. Estas duras e misericordiosas exigências são libertadoras, são necessárias para que nós possamos segui-l’O realmente, deixando-nos guiar pelo seu Espírito.
Por meio da Igreja, o Senhor continua hoje a chamar pessoas a viverem a verdadeira liberdade e a porem-se ao serviço dos irmãos. Se escutas a voz do Senhor que te chama a seres um cristão autêntico, ou a servi-l’O como presbítero, como diácono ou na vida consagrada, não Lhe feches os ouvidos e o coração, não te ouças nem te sigas a ti mesmo. Responde-Lhe com prontidão e verás como a tua vida se torna admiravelmente livre e fecunda, semeando no mundo a comunhão e a caridade fraterna.
Bispo Coadjutor de Beja
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