quinta-feira, 23 de junho de 2016

PALAVRA E PÃO

Chamados à verdadeira liberdade

Foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou. (…) Pela caridade, colocai-vos ao serviço uns dos outros (Gal.5,1.13).

Grande sabedoria habita estas palavras da Carta aos Gálatas que escutaremos na 2ª leitura do próximo domingo! A liberdade e a caridade são a assinatura de Deus no ser humano criado à sua imagem. É pela liberdade e pela dignidade que ela nos confere, mas também, e sobretudo, pela caridade e pela graça e dinamismo de que nos reveste que nos reconhecemos criados à imagem de Deus. A liberdade leva-me a rejeitar tudo o que agride a dignidade que me vem do facto de ser uma pessoa única, irrepetível, de ser eu mesmo. Pela caridade não vivo para mim mesmo. Sou eu mesmo, mas não vivo para mim mesmo! Praticando a caridade alcançarei a verdadeira liberdade, a gloriosa liberdade dos filhos de Deus (Rom.8,21).

 Reivindicar a liberdade é algo natural no ser humano, mas edificar a caridade sobre o alicerce da liberdade é sobrenatural. Reduzir a liberdade à possibilidade de escolher isto ou aquilo e ao direito a ser egocêntrico tem consequências funestas. A nossa experiência democrática portuguesa mostra à evidência que a liberdade assim entendida e tomada como valor supremo, é um pórtico deslumbrante que, a breve trecho, nos encurrala num beco sem saída chamado solidão. Nunca houve neste país tanta liberdade nem tanta gente sozinha. Não condenemos ninguém, mas reconheçamos que a solidão, as mais das vezes, é fruto do egoísmo. A solidão, que tantas vezes se nos afigura como o espaço da nossa liberdade, transforma-se rapidamente na prisão onde encarceramos a nossa própria existência. A verdadeira liberdade é sobrenatural. Consiste em vivermos descentrados de nós próprios, em agirmos de acordo com a vontade de Deus, em ajustarmos a nossa vida ao desígnio de Deus a nosso respeito, em cumprirmos o programa que Deus gravou em cada um de nós. Quanto mais obedecermos à vontade de Deus, mais livres seremos.

Sabemos que Deus é amor e que apenas seremos felizes amando, dando a nossa vida. Experimentamos também que, pelo facto de sermos pecadores, não está ao nosso alcance podermos dar a nossa própria vida. Porque venceu a morte, a nossa própria morte, Jesus Cristo é o único que tem o poder de nos libertar da escravidão do egoísmo e de nos dar, pelo seu Espírito, o poder de amar, o poder de sermos livres em relação aos bens materiais e aos afetos para nos oferecermos a Ele e para O servirmos com amor, servindo os irmãos.


Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade (Gal.5,13). A verdadeira liberdade é uma flor que frutifica na caridade, no dar a vida, no amar o próximo, no servir os irmãos. A comunidade cristã é a estufa onde se cultiva esta planta rara e preciosa.

Fomos chamados. O discipulado cristão é o caminho e a aprendizagem da verdadeira liberdade. Se hoje somos cristãos é porque, de modos muito diversos, Jesus passou por cada um de nós e nos chamou. Como é que O vamos seguindo? Na leitura do 1º livro dos Reis vemos a pronta decisão com que Eliseu, naquele momento chave da sua vida, corta com o passado, com a família e com o trabalho para seguir Elias, pondo-se ao seu serviço. No Evangelho vemos Jesus repreender os apóstolos Tiago e João que O seguiam com sentimentos muito diferentes dos seus; vemo-l’O também desenganar um homem que num momento de entusiasmo se autopropõe para seu discípulo, sem que Ele o tenha chamado. Vemos ainda, com estupefação, como exige àqueles que chama o reconhecimento de que ser seu discípulo e anunciar o Reino de Deus é mais importante que cumprir a Lei dando assistência aos pais, e que ninguém O pode seguir olhando para trás, prisioneiro dos laços familiares. Estas duras e misericordiosas exigências são libertadoras, são necessárias para que nós possamos segui-l’O realmente, deixando-nos guiar pelo seu Espírito.


 
Por meio da Igreja, o Senhor continua hoje a chamar pessoas a viverem a verdadeira liberdade e a porem-se ao serviço dos irmãos. Se escutas a voz do Senhor que te chama a seres um cristão autêntico, ou a servi-l’O como presbítero, como diácono ou na vida consagrada, não Lhe feches os ouvidos e o coração, não te ouças nem te sigas a ti mesmo. Responde-Lhe com prontidão e verás como a tua vida se torna admiravelmente livre e fecunda, semeando no mundo a comunhão e a caridade fraterna.

                                                                                                                           + J. Marcos,
Bispo Coadjutor de Beja
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